Meio ambiente e investimentos de impacto

Se todos os países do mundo resolvessem investir para preservar a biodiversidade e equacionar os principais problemas ambientais do planeta, o volume de recursos necessário seria da ordem de US$ 300 bilhões a US$ 400 bilhões anuais, segundo relatório conjunto do Credit Suisse, World Wildlife Fund e McKinsey&Company, Conservation Finance: Moving beyond donor funding toward an investor driven approach, publicado em 2014. Na realidade, porém, o mundo investiu no mesmo ano cerca de US$ 52 bilhões.

Em razão desse gap, o apoio de instituições de filantropia e do setor público é muito importante, mas insuficiente para fazer frente aos imensos desafios que se colocam nessa área. A saída seria o aumento da participação do capital privado na temática do meio ambiente, que a cada dia ganha mais força.

Mas como trazer o capital privado para a conservação da biodiversidade? Como gerar impacto ambiental positivo? Esses foram os questionamentos analisados pelos especialistas que participaram dos painéis sobre meio ambiente, durante o último Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, realizado nos dias 6 e 7 de junho, em São Paulo.

Guilherme Zaniolo Karam, da Fundação Grupo Boticário, apontou três caminhos:  iniciativas que mitiguem os efeitos de modelo econômico de alto impacto ambiental (ações de sustentabilidade tradicionais); iniciativas que evitem a deterioração do capital natural (economia circular); e iniciativas e modelos que aumentem a provisão de serviços sistêmicos. “Se levarmos em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, da Organização das Nações Unidas, ONU), os quatro relacionados à biosfera – vida na água, ação climática, água doce e ecossistemas terrestres – são a base dos outros 13 ODS”, destacou.

“Investimento de impacto na área ambiental ainda fica atrás, em todos os lugares, em relação aos investimentos de impacto em outras áreas, como educação e saúde. Todo mundo fala em mudança climática, mas não tem a percepção de que ela já está acontecendo. Nós precisamos de um meio ambiente que funcione em 2050”, provocou Angélica Rotondaro, da Alimi Impact Ventures.

Angélica falou sobre a plataforma Climate Smarter Agriculture, que será lançada em 26 de julho. O mapeamento é qualitativo e analisou 50 iniciativas ligadas à agricultura sustentável para levantar a escalabilidade para investimentos de impacto, a viabilidade, com atenção ao modelo de negócio, e a gestão de riscos, que são altos no setor agrícola, principalmente quando envolve pequenos produtores “Tem tanta gente dizendo que precisa investir e tanta gente que gostaria de receber investimentos e, no final das contas, essa conexão não está acontecendo”, disse ela.

Prosperidade ajuda a preservar

Denis Minev, diretor do Grupo Bemol e co-fundador do Conselho Amazonas Sustentável, lembrou que a conservação sustentável só acontece se houver prosperidade. Os anos de 2000 a 2015 foram de razoável prosperidade no Brasil e, em função disso, a Amazônia recebeu um grande volume de recursos. O impacto sobre a redução do desmatamento foi significativo.

“Tivemos uma redução de 80% das emissões de carbono, o que colocou o Brasil na liderança mundial, além de capitalizar o Fundo Amazônia, do BNDES. A Amazônia representa 60% do território brasileiro e gera menos de 8% do PIB. Isso mostra que a conquista não mudou a economia. Precisamos explorar novas formas de reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento socioeconômico. A agenda de controle é fundamental e avançamos muito. Mas ela não ataca a razão profunda do desmatamento que é a necessidade econômica. As pessoas desmatam para gerar renda”, complementou Mariano Cenamo, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM).

Projeto piloto não funciona

“Todo mundo tem projetos pilotos para a Amazônia, mas precisamos ter escala e encontrar alternativas mais rápidas do que projetos com maturação de 10 a 20 anos. Produtividade pressupõe escala, projeto piloto não funciona. Há 25 milhões de brasileiros lá, que precisam prosperar. E só há uma forma de prosperar: com empreendimentos de sucesso”, afirma Minev.

Ele cita dois modelos de empreendedorismo rural: piscicultura e manejo florestal, que com melhorias e investimentos pequenos, tornam-se viáveis. No manejo tradicional de florestas, a extração é baixa e é preciso esperar a rotação de 25 anos. “Se a floresta é plantada, mesmo em áreas devastadas, com modificações de biodiversidade, a produtividade é bem maior”, afirma Minev.

Kaeté Investimentos e Peixes da Amazônia

Desenvolvimento regional e investimentos sustentáveis e de impacto na Amazônia legal são as metas da Kaeté Investimentos, gestora do Fundo Empresas Sustentáveis da Amazônia. Sua estratégia de investimento mirou os desmatamentos de pequena escala que têm uma relação direta com a geração de renda dos agricultores familiares. “Implementar um modelo de desenvolvimento que assegure a conservação das florestas, reduza as emissões de carbono, promova a inclusão social e gere crescimento econômico é um desafio relevante para o futuro da humanidade”, afirma Luís Fernando Laranja, fundador da Kaeté.

Inovação tecnológica é a marca da Peixes da Amazônia, projeto de desenvolvimento da piscicultura de peixes nativos da Amazônia. Ela está presente na produção de 10 milhões de alevinos por ano, na fábrica de rações de alto desempenho, no frigorífico habilitado para exportação e no modelo de negócios. Fazem parte da base de acionistas da companhia mais de 300 famílias de agricultores.

“A Peixes da Amazônia distribui para todo o Brasil produtos de qualidade que são competitivos no mercado, na ponta. O impacto sobre a renda média municipal é outro indicador importante. Na região, a renda é de R$ 980, e a dos nossos parceiros é de R$ 1.800. E no quintal dos agricultores dá para produzir mais produtos nativos em sistemas agroflorestais. A meta é cessar o desmatamento dessa borda plantando açaí, cacau, café e outros. Gerar mais renda para essas famílias, muito melhor do que a pecuária de corte proporciona”, diz Laranja.

Além de inovação e criatividade, a Amazônia é o lugar que exige muita paciência dos investidores, o que é um desafio no Brasil. “Se pensarmos em investimentos com fins lucrativos, os prazos que temos em mente não fazem sentido na Amazônia, retornos menos ainda. Isso também é verdade para os investidores filantrópicos. Um edital que oferece US$ 100 mil para resolver o problema da Amazônia em três anos não sai do lugar. Só dá para começar um projeto de logística e três anos é o tempo necessário para começar a ter um relacionamento com a comunidade”, comenta Leonardo Letelier, fundador e CEO da SITAWI Finanças do Bem, organização que desenvolve soluções financeiras para impacto social e análise da performance socioambiental de empresas e instituições financeiras.

Desafios e barreiras

A SITAWI desenvolveu um estudo sobre as barreiras financeiras, que envolveu quatro públicos: financiadores, intermediários, empreendedores e empresas que compram produtos da Amazônia. E chegou à conclusão que a questão da infraestrutura é tão relevante que impede o desenvolvimento dos negócios. Os desafios são imensos e confirmam a análise do IDESAM.

“A logística é um entrave para qualquer empreendimento na Amazônia. Seja pelas distâncias, meios de transporte – fluvial ou estradas – seja pelo acesso à energia e, principalmente, pela comunicação. A logística é complicada e encarece qualquer produto. Os aspectos regulatórios não são sustentáveis para a produção sustentável. Há diversos incentivos para a indústria automobilística no Brasil, mas se cobra o mesmo imposto para um produto normal e para uma castanha. Além disso, falta capacitação para os empreendedores e trabalhadores e boa parte da população não tem acesso a saúde, educação e serviços básicos. As pessoas estão preocupadas em garantir a alimentação básica”, comenta o presidente do IDESAM.

Letelier aponta ainda a dificuldade de competir com a informalidade e que se a burocracia é complicada no Brasil todo, na Amazônia é muito pior. “Como explicar para os investidores estrangeiros que ‘há leis que não pegam’. O capital precisa ter condições adequadas. Além dos desafios de ter governança, sistema de gestão e mercado, há vários atributos que precisam ser ajustados como retorno, prazos, nível de risco, formato de contratação. É preciso criar um ecossistema mais propício para investimentos de impacto. E se houver um investimento disponível, aplicá-lo no que é mais necessário”, destaca Letelier.

Tecnologia é fundamental

Para Patrícia Gomes, do Imaflora, o Brasil ainda não conhece a riqueza da Amazônia. “Lá vivem cerca de 120 povos que têm línguas próprias e desenvolveram formas de manejar produtos. Eles são os guardiões da floresta. Precisamos aprender com eles e conhecer os números dessa economia oculta. Só se sabe os dados de pecuária e soja. Precisamos também transferir experiências e o aprendizado de acelerar esses negócios do mundo urbano para a Amazônia. Conectar quem produz e quem consome, viabilizar cadeias produtivas. A tecnologia é fundamental e pode encurtar caminhos, fazer rastreabilidade com imagens de satélite, conectar elos e dados remotos”, destaca Patrícia.

“O desafio é tão grande que tem que passar pela inovação. Não necessariamente inovação tecnológica, digital ou eletrônica. Na área de negócios de impacto, esse seria o maio desafio. Com um olhar diferente e com o que se tem na prateleira, seria possível revolucionar o campo ambiental. Inovação sistêmica é a questão-chave e pode influenciar a mentalidade do empreendedor rural, seja na Amazônia ou em qualquer lugar do Brasil. É preciso, ainda, olhar para as cooperativas e cadeias produtivas com a perspectiva de negócios de impacto”, analisa Marcos Da Ré, da Fundação Certi.

A criação do selo Origens Brasil, iniciativa do Imaflora, nasceu da necessidade de valorizar a sociobiodiversidade. Trazendo informações sobre o produto, modo de produção e a organização, o selo vai ajudar também a proteger a floresta da informalidade e dos negócios predatórios.

A plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), coordenada pelo IDESAM e lançada em dezembro de 2017, foi criada com o objetivo de mobilizar empresas instaladas em Manaus que tivessem interesse em participar do desafio de viabilizar negócios que gerassem impacto na floresta e na vida das pessoas. No dia 25 de junho promove uma chamada de propostas de negócios que serão analisadas em um fórum, agendado para novembro, que reunirá investidores e empresas envolvidas ou não com produtos da Amazônia.

A causa está mobilizando

O fato é que muitos empreendedores que foram para a Amazônia nem sempre tinham a preocupação de conservar a floresta. Há também uma série de iniciativas que nasceram com o objetivo de mudar a realidade. Inúmeras ONGs desenvolveram projetos de geração de renda com começo, meio e fim, mas que não resultaram em negócios de fato.

“O ecossistema de inovação nasce da necessidade e há muita coisa inspiradora acontecendo. O empreendimento inovador pode sofrer com fatores externos e as oportunidades serem perdidas. Muitas ideias não encontram apoio e não conseguem chegar ao mercado e gerar receita. É preciso criar mecanismo para apoiar as diferentes fases do empreendimento”, ressalta Marcos Da Ré.

Com a iniciativa Sinapse, de Santa Catarina, mais de 400 startups já foram desenvolvidas com sucesso. Nos últimos anos, saltou o número de negócios com características de impacto, ainda que os seus idealizadores não conheçam o conceito. “Isso mostra que a causa está mobilizando”, aponta Da Ré.