São muitos os desafios contemporâneos e atuais ligados à causa dos oceanos e da vida na água, mas também existem soluções que estão emergindo, modelos de trabalho para os quais se abrem possibilidades de investimento; um cenário voltado para investimento de impacto.

O Climate-Smart Institute, em parceria com o Impact Hub São Paulo e o Ocean Alive Project realizou, em junho, webinar sobre Investimentos de Impacto e o Oceano. Especialistas convidados debateram em mais uma edição do Impact Morning, os desafios para a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável No. 14: “Conservação e utilização sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”.

O encontro virtual reuniu Tatiana Zanardi, coordenadora do Comitê de Oceanos do Climate-Smart Institute e cofundadora e diretora do Ocean Alive Project; Angélica Rotondaro, cofundadora do Climate-Smart Institute; e Frederic de Mariz, professor associado em inovação financeira e investimento de impacto na Columbia University, SIPA e head do Financial Institutions Group for Latin America no banco UBS.  A conversa foi mediada por João Vitor Caires, do Impact Hub, que vem coordenando diversos programas de aceleração de negócios ambientais. “O webinar demonstrou a necessidade de diálogos entre esses mundos, o mundo do ativismo, da conservação e do empreendedorismo com os mecanismos de capital, de acesso ao capital, diferentes estilos e formatos de capital”, afirmou Caires.


 

“O oceano é a base para a vida na Terra, produz mais de 50% do oxigênio. As pessoas pensam que o pulmão do planeta é a floresta amazônica, mas na verdade são os oceanos, que absorvem até 30% do CO2.” | Tatiana Zanardi, do Climate-Smart Institute e Ocean Alive Project.


 

Tatiana Zanardi compartilhou sua vivência de 25 anos de mergulho registrando imagens subaquáticas. “O oceano é a base para a vida na Terra, produz mais de 50% do oxigênio. As pessoas pensam que o pulmão do planeta é a floresta amazônica, mas na verdade são os oceanos que absorvem até 30% do CO2 emitido. Cobrem 70% do planeta e são reguladores importantes do clima. Abrigam 25% da vida marinha nos recifes de corais, têm uma biodiversidade de até 2 milhões de espécies e fornecem proteína para 1 bilhão de pessoas. Cada gota de água que você bebe, cada vez que respira, está conectado com o oceano. Não importa em que lugar da Terra você vive”, alerta Tatiana.

Fotos: Ocean Alive Project

Mesmo com toda essa importância, a relação do homem com os oceanos e sua biodiversidade não vem sendo feita de maneira sustentável. Por isso, o ODS 14 prevê iniciativas para mudar este quadro, reduzindo por exemplo a pesca predatória e a poluição. Por meio de registros fotográficos, a mergulhadora mostrou o avanço de um cenário desafiador para os oceanos e o quanto é urgente nos mobilizarmos. “Com o projeto Ocean Alive, nós estamos observando e documentando, desde 1995, as mudanças no oceano e no ecossistema marinho, começando pelo problema do aquecimento da temperatura das águas, que causa branqueamento e morte de recifes de corais. Tem também a pesca destrutiva, a poluição com plástico, a poluição sonora, a perda de biodiversidade, a destruição dos habitats, a acidificação e a falta de oxigênio. Temos presenciado novas doenças também, como a que está afetando os tecidos dos corais duros na região do Caribe. Foi identificada há dois anos na Flórida e está se alastrando incrivelmente rápido. Se os corais não forem tratados morrem em questão de semanas”, explica Tatiana.

Há muito lixo também debaixo da água. No fundo do mar há uma concentração, principalmente em áreas próximas de populações, de portos e de regiões mais costeiras. “Durante esses 25 anos, temos acompanhado tudo isso de perto. Acho que um dos grandes problemas é a falta de conhecimento, do ponto de vista científico. É um mundo que poucas pessoas veem e que, por isso nossa mobilização é tão urgente”, diz Tatiana. Na visão dela, as pessoas estão perdendo contato com a natureza e precisam voltar a ter esse contato.

Por outro lado, há iniciativas e projetos importantes de conservação acontecendo, com envolvimento das comunidades locais e do governo local. Entre os exemplos, Tatiana cita o Caribe holandês, onde existem berçários de corais crescendo, um sucesso. A Ilha de Bonaire sempre foi uma referência em preservação ambiental sendo a primeira ilha do Caribe a contar com um parque marinho. Há uma taxa cobrada de quem vai realizar qualquer atividade aquática na ilha, que é revertida totalmente para o parque marinho. Quando o governo holandês assumiu a ilha em 2010, implementou o tratamento de esgoto. Várias ações de limpeza do mar em áreas costeiras com engajamento da comunidade local são realizadas pelas operadoras de mergulho. Nas Bahamas, é possível participar de uma experiência de pesca em águas abertas do peixe leão, um peixe saboroso e que pode ser consumido; uma forma de escolher o pescado sustentável. “As ilhas do Caribe estão se organizando para serem cada vez mais autosustentáveis, em virtude de as tempestades estarem cada vez mais fortes”, destaca Tatiana.

Ela destaca também o trabalho feito no barco do Ocean Alive Project e que tem um significado especial. “As pessoas podem ficar a bordo, mergulhar conosco, mas acompanhando o nosso trabalho, aprendendo sobre biodiversidade marinha, participando de projetos como o da limpeza de corais. Acreditamos que o engajamento vem após uma vivência, na hora que você conhece você quer preservar”, pondera Tatiana.


 

“Estamos completamente conectados, oceano e terra. No water, no life. No blue, no green. O momento de agir é agora, nós ainda temos tempo.” | Dra. Sylvia Earle, oceanógrafa


 

Tatiana vai além em relação à questão do ODS 14. “Na verdade, se você apoia o ODS 14, por tabela, acaba contribuindo para outros ODS. Quando você trabalha pela regeneração da pesca, você trabalha contra a fome, pela melhoria da nutrição, como determina o ODS 2. Proporciona o crescimento econômico e sustentável, dentro do ODS 8. Quando trabalhamos com a reconstituição dos manguezais proporcionamos assentamentos humanos mais seguros e mais resistentes, pelo ODS 11. Quando implementamos ações que auxiliam no aquecimento das águas dos oceanos, estamos ligados com o ODS 13. Como diz a dra. Sylvia Earle ‘nós estamos completamente conectados – oceano e Terra. No water no life. No blue, no green`. Ela sempre costuma falar que o momento de agir é agora, nós ainda temos tempo’”, conclui Tatiana.

Conexão entre o universo de investimento sustentável e a temática dos oceanos

O professor Frederic de Mariz trouxe a perspectiva dos mercados, bancos, investidores e dos envolvidos com filantropia. “Trabalho em um banco de investimento, o UBS, que é o maior banco de gestão de ativos do mundo. Sempre tivemos um interesse muito forte para olhar os temas de sustentabilidade. O investimento em oceanos é relativamente recente, tem apenas três anos. Mas investimos em toda essa temática de investimentos sustentáveis há pouco mais de 20 anos. No século 19, os investidores estavam só preocupados com o retorno financeiro. Se você colocou 100 dólares no investimento, numa ferrovia, você quer saber quanto você vai ter de retorno. No pós-guerra ocorreu uma reflexão acadêmica muito interessante para saber qual era o risco – dois projetos podem ter o mesmo retorno financeiro, mas com perfil de risco muito diferente. Hoje, vivemos uma terceira dimensão que é ter uma ideia do risco e do retorno, sempre agregado ao impacto social e ambiental. Essa é uma perspectiva cada vez mais forte com os nossos clientes, investidores, pessoas com as quais a gente fala dentro do banco, até funcionários. Essa temática está perto do coração de muita gente e, com certeza, nos próximos anos ela vai ficar mais relevante” explica o executivo.


 

“Vivemos uma terceira dimensão, que é ter uma ideia do risco e do retorno, sempre agregado ao impacto social e ambiental. Essa é uma perspectiva cada vez mais forte com os nossos clientes, investidores, pessoas com quem falamos no banco, até funcionários.” | Frederic de Mariz, Columbia University e Banco UBS.


 

Mariz conversa bastante com empreendedores, investidores de vários perfis e com pessoas que podem se engajar. Há um tipo de investidor, segundo ele, que aplica o seu capital filantrópico e, muitas vezes fica muito próximo de uma causa, que pode ser oceano, educação ou saúde. Esse investidor não vai necessariamente procurar um retorno financeiro, não segue a lógica de mercado. “É um pouco nosso trabalho também entender melhor quando tal projeto vai ter um grande retorno e direcionar recursos para ele. Fundos de investimento exigem esforço para entender a temática e os riscos. Sempre falamos para os investidores que não é para simplesmente colocar dinheiro, mas é importante ficar perto da causa, entender os riscos e benefícios de cada oportunidade”, destaca Mariz.

Ele chama a atenção para os impact funds.”Nessa categoria estão os fundos de investimento de impacto, que têm por natureza a missão de dar retorno financeiro, junto com um retorno social e ambienta. É um tipo de fundo relativamente recente para os investidores, mas muito relevante, que atrai as pessoas engajadas nessa temática”, aponta.

Um tema que sem dúvida está muito forte, e vai ter um destino cada vez maior é o de green bond. O primeiro com essa marca foi lançado pelo Banco Mundial em 2008 que, juntamente com governos e agências públicas, passou a liderar a temática de inovação financeira. “Em 2019, foram lançados US$ 230 bilhões em green bonds e a Europa está na liderança. Nossos clientes da Suíça, da Alemanha e dos Países Escandinavos estão com foco total nesse tipo de investimento. São dedicados e querem saber qual é o impacto para o meio ambiente, para a sociedade e para as comunidades”, afirma Mariz.

“Esse valor – US$ 230 bilhões – é bastante relevante obviamente, mas quando você olha para o mercado como um todo de investimentos de renda fixa, esses green bonds representam menos de 2% do total. Ainda é muito pouco, mas acreditamos que vai ter um crescimento extremamente significativo. Para o investidor se engajar com um projeto verde ou azul ele vai querer ter a certeza de que está comprando um bom projeto, elegível, que tenha um processo interno muito claro e seja auditado com transparência. Tem que dar feeedback depois e mostrar como foi usado, explicar qual foi o impacto para a sociedade e para o meio ambiente. Isso é essencial no setor de investimento de impacto”, comenta Mariz.

Além de ganhar dinheiro, construir algo positivo é a razão do investimento consciente e sustentável. “Acho que uma coisa que enxergamos com nítidez, agora com a pandemia, é que os investidores, os participantes de mercado entendem que essa problemática, verde, azul, pouco importa a cor que a gente está defendendo. Ela é absolutamente necessária para quando você tem uma perspectiva de investimento x riscos, uma necessidade, todo mundo tem que entender como funciona. Talvez seja um dos grandes benefícios do momento que estamos vivendo agora,” concluiu Mariz.

Economia Azul e Circular

Idealizadora do encontro, Angélica Rotondaro, cofundadora do Climate-Smart Institute, compartilhou sua visão de conexão entre esses dois mundos e de como trazer essa pauta com mais qualidade para o Brasil.

Convidou todos os participantes para o kick-off do tema Investimento de Impacto e ODS 14 para o Brasil dando o call for action com o lançamento do mapeamento de negócios na cadeia. ”Dentro desse contexto do instituto, criamos o Comitê de Oceanos, que é liderado pela Tatiana. O Brasil é um país com enorme área de costa, com várias iniciativas acontecendo, que tem alternativas e aquacultura e outros tipos de proteína, que não unicamente animal, seja para consumo nosso ou para consumo, por exemplo, de cadeias de pescado. Precisamos também de um trabalho de conscientização, que será uma das frentes do comitê”, afirmou Angélica.

Destacou os dois projetos, que estão em desenvolvimento – um no Caribe, que consiste em um berçário de corais e turismo sustentável, um modelo novo para gestão de parques, que tenha retorno financeiro além do impacto ambiental que ele gera. “No caso do Brasil, estamos estruturando um projeto que se chamará Economia Azul e Circular. A ideia é fazer uma chamada de negócios, para serem acelerados com parceiros de aceleração e parceiros de financiamento. Estamos na fase de definição do escopo desse projeto”, concluiu Angélica.

Segundo o Climate-Smart, o Brasil tem uma área de costa de 7.367 km de Oceano Atlântico e, no entanto, o investimento de impacto no ODS 14 ainda não é parte da agenda dos investidores. O Comitê de Oceanos trabalha nas frentes de conscientização do potencial da Economia Azul-Circular no Brasil e na estruturação de chamadas de projetos para serem incubados e investidos.

Nessa primeira fase, realiza um levantamento das iniciativas – projetos, startups, produtos – relacionados à cadeia de valor da Economia Azul. Para o Climate-Smart, uma economia azul-circular no Brasil inclui desde soluções de embalagem para reduzir o volume de plástico nos oceanos, até certificados de origem e rastreabilidade da cadeia de pescados, aquacultura sustentável, bem-estar animal, sistemas de logística, pesca artesanal, conscientização e educação do consumidor, repovoamento marinho, geração de dados e estatísticas pesqueiras, dentre várias outras.