Evidenciados ainda mais pela pandemia, os problemas relacionados à habitação são históricos e complexos: 11 milhões de brasileiros vivem em condições inadequadas de moradia. Com o objetivo de ajudar a transformar habitações insalubres e inadequadas em um ambiente seguro, digno e confortável, a Artemisia realizou, em agosto, mês que celebra o Dia Nacional da Habitação, uma série de iniciativas e produção de conteúdos.

Como tantos outros problemas, a questão da moradia, que não é nova no Brasil, tornou-se ainda mais evidente em razão da pandemia da Covid-19. Há no país 11 milhões de brasileiros que vivem em condições inadequadas; 35 milhões sem água encanada; 170 mil casas não têm acesso a luz; e 47% não têm esgotamento sanitário. São casas que atentam contra a autoestima e prejudicam a saúde e o futuro das pessoas. Decidida a contribuir para mudar o cenário de escassez de dignidade nessa área, a Artemisia, organização sem fins lucrativos que atua na disseminação e no fomento de negócios de impacto social, desenvolveu uma série de iniciativas em agosto, mês alusivo ao Dia Nacional de Habitação.

Para a Artemisia, os problemas relacionados à moradia são históricos e complexos, e por isso, demandam esforços conjuntos de diferentes frentes da sociedade. As iniciativas realizadas nessa área disseminam a importância de construir um futuro com mais dignidade e qualidade de vida para milhões de brasileiros e demonstram como o empreendedorismo de impacto pode contribuir para essa transformação. Em agosto, foi lançada a publicação Habitação: a faísca para a transformação social; o vídeo Qual sentido você dá para o verbo construir?; a Tese de impacto Social em Habitação (versão atualizada dos desafios e das oportunidades para se empreender com impacto positivo no setor); e foi realizado o evento online Habitação de Interesse Social e Empreendedorismo de Impacto,  em 21 de agosto, Dia Nacional da Habitação, disponível no YouTube.

A moradia digna está intrinsecamente associada à possibilidade de uma vida melhor. Não se trata apenas de um teto e quatro paredes, mas de um direito fundamental de todo cidadão. Durante a pandemia, ficou evidente o risco maior de contrair a Covid-19 entre as pessoas que vivem em habitações inadequadas e precisam dividir poucos metros quadrados com toda a família.

Há mais de uma década, a Artemisia passou a estudar o setor e a liderar um movimento que enxerga a habitação como uma faísca para a transformação social. Com essa premissa de mudar o cenário de escassez de dignidade para abundância de soluções, a organização reuniu parceiros; esse encontro resultou numa coalizão em prol da melhoria habitacional para a população em situação de vulnerabilidade econômica. Participam da coalizão as empresas Gerdau, Tigre, Instituto Vedacit e Votorantim Cimentos, com o apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), da CAIXA, do negócio de impacto social Vivenda e da Habitat para a Humanidade Brasil.


“É urgente lançarmos um olhar sistêmico para esse contingente de seres humanos vivendo em condições inadequadas.” | Maure Pessanha (Artemisia)


“É urgente lançarmos um olhar sistêmico para esse contingente de seres humanos vivendo em condições inadequadas; situação que atinge milhares de famílias brasileiras em questões não apenas de saúde, mas em outras como autoestima, segurança, qualidade de vida, educação e empregabilidade. Os desafios que envolvem as habitações de pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica no Brasil foram evidenciados pela pandemia, mas estes são problemas complexos e históricos, que demandam ações conjuntas. É preciso unir o conhecimento de diferentes organizações e empresas que olham para os temas habitacionais. Apenas dessa forma é possível avançar na transformação necessária dentro desse setor”, destaca Maure Pessanha, diretora-executiva da Artemisia.

No evento realizado no dia 21 de agosto, Habitação de Interesse Social e Empreendedorismo de Impacto, foram debatidos temas como inovação e moradia; empreendedorismo e pesquisa para impacto social em habitação: arquitetura, engenharia e empreendedorismo de impacto social; a Indústria da construção e os desafios da habitação; colaboração e tecnologia para escalar o impacto em habitação; alternativas de crédito para moradia.


“No Brasil, até 2016, o programa Minha Casa Minha Vida entregou 4,5 milhões de moradias para famílias com renda de 2,5 salários mínimos. O programa teve méritos e trouxe aprendizados.” | Inês Magalhães, ex-Secretária Nacional de Habitação e Consultora Sênior


“Habitação é uma agenda que volta com força total, impulsionada pelo aumento da desigualdade, mesmo nos países que já tinham equacionado esse problema. No Brasil, até 2016, o programa Minha Casa Minha Vida entregou 4,5 milhões de moradias para famílias com renda de 2,5 salários mínimos. O programa teve méritos e trouxe aprendizados. Nos anos 2000, o Ministério das Cidades foi um divisor de águas, mas infelizmente teve uma vida curta. Seu papel foi muito importante para os marcos de saneamento, habitação, regulamentação fundiária e a urbanização de favelas”, afirmou Inês Magalhães, ex-Secretária Nacional de Habitação e Consultora Sênior, que participou do painel de abertura.

Na opinião de Inês, a movimentação do ecossistema na área da habitação está aumentando, mas o fato é que a indústria de construção civil inova pouco. “Tirando experiências com blocos pré-fabricados nada mais aconteceu. A madeira mesmo é essencial quando se fala em palafita, uma tecnologia inteligente, que faz a casa se adaptar às marés. Levamos anos para conseguir a certificação”, diz Inês.

A pequena reforma escapa de todos os programas governamentais e não pode ser medida apenas pelo consumo de cimento. ”O Brasil está descobrindo o Brasil nos últimos anos e as nossas pesquisas demonstram que existe uma demanda por serviços nas classes C, D e E, que representam dois terços da população. Uma reforma significa questões de saúde e muitas outras que podem ser contempladas”, explica Maurício de Almeida Prado, diretor-executivo da Plano CDE, um dos participantes do painel Empreendedorismo e pesquisa para impacto social em habitação.

Outro destaque identificado nas pesquisas é que a periferia está sempre reformando casas. ”Uma reforma é sempre prioridade, todo mundo fala que se ganhasse algum dinheiro reformaria a casa. Ninguém quer mudar de bairro, ir para um apartamento. Por isso, a rede de apoio conta muito”, afirma Almeida Prado.


“É o momento de pensarmos no papel que nossos lares têm cumprido durante a pandemia e o quão importante são não apenas para nos dar conforto e segurança, mas porque são fundamentais para que tenhamos em nossas famílias melhor educação, saúde e bem-estar.” | Luis Fernando Guggenberger (Vedacit)


Mediador do painel Alternativas de crédito para moradia, Luis Fernando Guggenberger, executivo de Inovação e Sustentabilidade da Vedacit, destacou que o evento foi uma grande oportunidade para atentar e refletir sobre questões sensíveis à sociedade e que acabam piorando o caos. “São milhões de famílias convivendo com condições inadequadas de moradia diariamente. Precisamos olhar com urgência para a qualidade dos ambientes de convívio, garantirmos uma boa estrutura das habitações. É o momento de pensarmos no papel que nossos lares têm cumprido durante a pandemia e o quão importante são não apenas para nos dar conforto e segurança, mas porque são fundamentais para que tenhamos em nossas famílias melhor educação, saúde e bem-estar, entre tantos outros benefícios”, acrescenta.

Uma faísca para a transformação social

Levantamentos apontam um déficit habitacional de 1 milhão de moradias ao ano, no Brasil. O déficit qualitativo, contudo, tornou-se realidade na vida de brasileiros que vivem em habitações inadequadas. Muitos não têm acesso à água encanada; outros, precisam dividir poucos metros quadrados com toda a família. No cotidiano dessas pessoas, as recomendações para conter a disseminação do coronavírus, como manter os ambientes arejados ou adotar o afastamento de um membro da família com sintomas não é exequível pela alta densidade domiciliar. Em outras palavras, a qualidade das moradias e a concentração de muitos habitantes dentro e fora das casas tornaram-se fatores de risco.

O levantamento Aglomerados Subnormais 2019: Classificação Preliminar e Informações de Saúde para o Enfrentamento à Covid-19 – conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como um mapeamento preliminar do Censo Demográfico 2020, adiado para 2021 – identificou no país 13.151 aglomerados subnormais, que são uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia para fins de habitação em áreas urbanas, em geral caracterizados por um padrão urbanístico irregular, com carência de serviços públicos essenciais. A estimativa é de que há 5,1 milhões de domicílios distribuídos em 734 municípios. São casas com condições estruturais precárias instaladas em favelas, grotas, baixadas, comunidades, mocambos, palafitas e loteamentos.

Foi para transformar habitações como essas, insalubres e inadequadas, em um ambiente seguro, digno e confortável que surgiu a coalizão de organizações e players da indústria da construção civil. A coalizão está pautada pelo desenvolvimento de fluxos de trabalho e por expectativas que apoiam a inovação empreendedora, criando uma base sólida e um ambiente propício ao impacto positivo no futuro. Adotar uma abordagem sistêmica significa mapear e observar criticamente o problema para apoiar negócios liderados por empreendedores e empreendedoras de impacto social que têm endereçado os problemas habitacionais.


Para atender à demanda das moradias de baixa renda, é preciso construir um solo que possa ser cultivado e que possa florescer. E a coalizão une forças para criar essa infra-estrutura e o conhecimento necessários. Acreditamos na capacidade de unir as pessoas e de ajudá-las a construir”. | Marcos Faraco (Gerdau)


Para Marcos Faraco, vice-presidente da Gerdau Aços Brasil, Argentina e Uruguai, que participou do painel A indústria da construção e os desafios da habitação, “a união de forças sempre fez parte da história da empresa e o movimento coalizão expressa muito bem esta intenção”. Segundo Faraco, “para atender à demanda das moradias de baixa renda, é preciso construir um solo que possa ser cultivado e que possa florescer. E a coalizão une forças para criar essa infra-estrutura e o conhecimento necessários nessa direção. Acreditamos na capacidade de unir as pessoas e de ajudá-las a construir”, disse Faraco. Deste painel partiparam também Marcos Campos Bicudo, presidente da Vedacit; Álvaro Lorenz, diretor-global de Sustentabilidade, Relações Institucionais, Desenvolvimento de Produto e Engenharia da Votorantim Cimentos; e Otto von Sothen, CEO da Tigre.

Fernando Assad, da Vivenda

Segundo Fernando Assad, empreendedor e cofundador da Vivenda, que participou do painel Alternativas de crédito para a moradia, “um ponto fundamental está em estabelecer novos mecanismos de análise de crédito”. Ele acredita que não existe mercado habitacional sem crédito. “É sempre necessário uma análise que dê confiança para a concessão de crédito, para avaliar o risco. Uma análise que inclua a baixa renda. E há alguma análise de crédito voltada para a baixa renda? Não”, afirma Assad.

Por essa razão, a Vivenda fez uma parceria com a Dataholics para o desenvolvimento de um algoritmo específico para a análise de crédito para o mercado de melhoria habitacional, uma tecnologia nova com uma abordagem que permite de fato avaliar o risco relacionado à baixa renda. Outro ponto fundamental, segundo Assad, é que não haja desvio de finalidade. “É preciso garantir que o dinheiro de fato vai ser colocado na reforma, com rastreabilidade, nota fiscal da obra, mecanismos de governança e transparência.”

Participaram também do painel Alternativas de crédito para a moradia Morenno de Macedo, gerente-executivo de Sustentabilidade e RSA da CAIXA; e Rafael Salomão, gerente de Inovação e Relacionamento Corporativo do Grupo Tigre.