Empreendedores da periferia contam suas histórias e emocionam, no TEDx Pinheiros

Empreendedores da quebrada atravessaram a ponte e o rio Pinheiros. Vieram do Capão Redondo, Itaim Paulista, Cidade Tiradentes, Jardim Ibirapuera, Guaianases, distritos que ficam “do outro lado do rio”, bem distantes da avenida Paulista, para contar suas histórias de vida e de superação. Eles nasceram e cresceram na periferia, escaparam das estatísticas da violência, das drogas, das páginas policiais e da pobreza. Todos se reinventaram e, em determinado momento, agarraram a oportunidade e resolveram empreender. No TEDxPinheiros Do Outro Lado do Rio, realizado no dia 17 de maio, suas histórias emocionaram a plateia, verdadeiros presentes em relatos de 15 minutos.

Veja, a seguir, alguns destaques das palestras realizadas, acompanhadas pelo portal Notícias de Impacto.

 


 

Quando você conta a sua própria história na terceira pessoa, não há dúvidas que você se desconectou das suas raízes.”

Victor Mathias

O primeiro palestrante foi Victor Mathias, da área de Projetos da Artemisia, organização pioneira na disseminação e no fomento de negócios de impacto social no Brasil. Gestor ambiental pela USP, morador do Sacomã, Victor acompanha de perto o trabalho da ANIP (Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia) e atua na articulação em territórios periféricos para o fomento e entrada de novas soluções.

Em sua apresentação, falou sobre as marcas de sua jornada: o esforço dos seus pais para mantê-lo em escola particular, a chuteira dourada sem marca comprada para um jogo, a necessidade de se sentir incluso, as dívidas quitadas com sacrifício, o trabalho no telemarketing, o cursinho, a USP. Em 2015, Victor começou a trabalhar na Artemisia, uma das organizações que mais admirava, e começou a pensar no futuro. “Só tinha sonhado até esse ponto. Qual era o meu sonho para o futuro?  Resolvi olhar para o Victor, que fugia da sua própria história, e olhar para o passado com sabedoria para me fortalecer. Quando você conta a sua própria na terceira pessoa, não há dúvidas que você se desconectou das suas raízes”, diz Victor.

“Nunca foi um sonho estar no palco do TEDx, mas com certeza foi uma noite mágica. A oportunidade de estar naquele palco e homenagear a sua própria história e reconhecer aqueles que estiveram presentes em momentos importantes da sua vida provoca uma sensação indescritível”, disse Victor nas redes sociais.


 

“Como virei escritor morando num bairro periférico onde não tinha biblioteca?”

Alessandro Buzo

“A literatura mudou minha vida”. Em 19 anos de carreira, Alessandro Buzo publicou 14 livros, fundou uma livraria especializada em literatura marginal, idealizou o Sarau Suburbano Convicto, atuou seis anos na TV mostrando a cultura da periferia na TV Cultura e no SPTV da Globo e dirigiu dois filmes “Profissão MC”, com o cantor Criolo, antes de ficar famoso, e “Fui!”; tudo sem captar um real.

Nascido e criado no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, sem pai, viveu de subempregos, entrou e saiu das drogas, até que… voltou a ler, hábito adquirido com a mãe. “Um amigo meu montou um sebo no Itaim Paulista, chamado Sebo Mutante, e aí eu passei a frequentar o lugar, comecei a ler alguns livros que comprava, outros pegava emprestado. Capitães de Areia, de Jorge Amado, e tantos outros livros maravilhosos que conheci lá no sebo”, lembra Buzo.

O primeiro livro – “O Trem – Contestando a Versão Oficial” – foi publicado em 2000, com muito sacrifício, e abriu as portas para Alessandro. “A cultura me levou para vários estados, comecei a andar de avião, me hospedar em bons hotéis, fazendo palestras, eventos de hip hop. Eu ter saído de onde saí…várias coisas maneiras começaram a acontecer na minha vida e isso tudo foi uma transformação, né?”.


 

“Amor próprio não é mágica, não vem do nada e não muda nada de imediato. Não se engane, só ame”.

Juju ZL

Juliana Andrade adotou o nome artístico Juju ZL e assumiu o status de gorda. “Não sou gordinha, fofinha, nem nenhum derivado. Ser gorda não é um xingamento e a gordofobia está nesses detalhes. Vai roubando vidas e fala para você não sair de casa. As pessoas não conhecem você e falam com nojo sobre seu corpo. Você não encontra roupas para vestir e nem pode pular porque vão falar que o chão treme. Gordo não corre, não pode dançar. A gordofobia se apoia na saúde, mas ninguém liga para a sua saúde mental”, explica Juju ZL.

Ser gordo não é um xingamento e ser magro não é um elogio. Artista gorda e preta que trabalha com produção cultural, dança e moda, Juju batalha contra esse preconceito, pela autonomia e liberdade de todos os tipos de corpos, com base no autoconhecimento e consciência corporal, ajudando a ressignificar a beleza considerada padrão. “A transição começou pela questão racial. Eu poderia ter o cabelo que eu quisesse, me vestir de outras formas e explorar a minha negritude. Comecei a frequentar lugares de cultura preta até que conheci uma festa chamada Batekoo, onde trabalho hoje. Foi um choque. Ninguém me julgava, eu podia dançar à vontade. Encontrei um espaço seguro. Eu ainda estou me descobrindo, trabalhando minha corporiedade e meu amor próprio”, disse Juju.


 

“Eu sou o número que não entrou na estatística”.  

Anderson Buiu

Anderson Verdiano Agostinho, mais conhecido como Buiu, tem 37 anos, mora na favela do Jardim Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo. Líder comunitário, fundador do Projeto Viela, empreendedor com a marca da viela, Buiu se orgulha muito de onde veio, pois a favela mostrou que ele poderia ir além.

Abandonou a escola com 12 anos, as más companhias o levaram para as drogas. “Um dia parei e fiz uma reflexão sobre a minha vida e falei nossa, estou pior que meu pai! Pelo menos meu pai bebia, dava as loucuras dele… só que essa raiva ficou tão forte no meu coração que eu acabei ficando pior do que meu pai”, disse Buiu.

Jogador de futebol frustrado, ficava na rua e acabou levando uma paulada na mão. Buiu falou sobre as mulheres que o ajudaram nessa fase turbulenta – a mãe, que sempre acreditou nele; dona Andrea, que ofereceu a oportunidade de fazer um curso de pintura em tela; depois fez um curso de contação de histórias; a pedagoga Ana Paula, que o ensinou a falar não para as drogas; dona Eda que foi uma segunda mãe; e Elisa, sua esposa.

A partir da exibição de filmes, o Cinema da Viela, e de treino de futebol, atividades que eram precedidas de contação de histórias, surgiu o Projeto Viela, que atende mais de 150 crianças e conta com 14 funcionários. “Todos querem ser jogadores de futebol, mas só 1% consegue. Temos que ajudar todos e incentivar outros talentos e sonhos. Eu digo sempre que a mudança começou em mim. Depois que aconteceu tudo aquilo na minha vida, busquei outras ideias, fui ajudado e estudei. O Projeto Viela me deu muito mais do que eu poderia imaginar. Mas não vou sair da favela, que é um lugar tão importante quanto qualquer lugar do mundo. E eu criei essa frase: “toda criança tem o direito de aprender brincando”, fiinalizou Buiu.


 

“Por que apenas os ternos pretos entram em lugares chiques? O preto combina com tudo”.

André Luiz

André Luiz começou a sua apresentação assim: “sou especialista em criar sonhos do zero. Nasci em um conjunto habitacional do Capão Redondo, tinha meu pai e minha mãe sob o mesmo teto e é muito louco imaginar que isso me fez ir mais longe que 99% das pessoas que viviam ao meu redor”.

Por curiosidade, acabou se envolvendo com drogas e passou a cabular aulas. Em 2011, no dia do seu aniversário, deu entrada no hospital do Campo Limpo, com início de overdose. “Fiquei frustrado por não ter morrido, porque na minha cabeça, eu não chegaria a lugar nenhum. Na saída, uma mulher desconhecida me abraçou e aquele abraço mudou minha vida”.

André retomou o ensino médio, criou um programa de rádio na escola e se descobriu videomaker ao montar uma campanha de arrecadação para comprar uma cadeira de rodas para um colega deficiente. Fundou a TV DOC Capão no quarto, dando voz aos jovens, tornando-os protagonistas de histórias que não retratavam a violência da região. O conteúdo é exibido no canal do Youtube em uma grade mensal de três programas e na página do Facebook.

André já atuou em projetos como WikiMapa da Rede Jovem – RJ, Fábrica de Criatividade, MJPOP Visão Mundial, Plano Jovem. Coordena o DOC Inclui, oficinas itinerantes de audiovisual para alcançar jovens de outras periferias. Atualmente é coordenador do Educadeiras, projeto que conecta empreendedores e agentes sociais da periferia a cursos de desenvolvimento pessoal e profissional da rede privada que têm cadeiras vagas.

André acredita que a criatividade nasce da necessidade. Ele é especialista em criar sonhos do zero.


 

“Não é de agora, a periferia nasceu empreendedora.”

Michelle Fernandes

 “Salve…salve! se há sete anos alguém me falasse que haveria um TED só para a quebrada, eu não acreditaria. Mesmo porque eu nem sabia o que era um TED”. Michelle Fernandes saudou a plateia e contou a sua trajetória até fundar a Boutique de Krioula, marca de acessórios que destaca em suas criações a beleza da mulher negra e visa valorizar a cultura afro-brasileira em cada produto.

Foi na época em que fez a transição capilar que criou os famosos turbantes. ”Por 26 anos, eu não sabia como era meu cabelo. Não encontrava produtos e acessórios, não me via na propaganda. Com R$ 150, comprou retalhos de tecido, começou a fazer turbantes e a postar fotos nas redes sociais. As pessoas gostavam e vi que tinha uma oportunidade nas mãos”, conta Michelle.

Resolveu empreender e, em seis meses já tinha mais de 10 mil curtidas nas redes e começava a enviar turbantes para vários estados do Brasil. A Boutique de Krioula cresceu, mas em 2016 veio a crise e a concorrência.  “Quase quebramos, mas morar na periferia faz a gente ser forte. Ganhei um prêmio em 2017 e, no ano seguinte, participei de suas acelerações. Recebemos mentoria com os melhores profissionais do mercado. Fechei o ano com mais de 3 mil turbantes criados, representantes em cinco países, um faturamento de mais de R$150 mil e uma entrevista para a BBC de Londres”, conta Michelle.

Em 2019, a Boutique de Krioula reabriu o escritório. “A periferia sempre empreendeu, mas agora é diferente. Queremos mandar nossos produtos para outros países, queremos contratar funcionários da quebrada para que não passem horas dentro da condução, longe de seus filhos. Queremos trazer as televisões não para ouvir as histórias de chacina, mas para contar as nossas histórias de sucesso. Queremos mudar a vida das pessoas. Quando uma mulher enrola um turbante na cabeça, ela levanta os ombros para segurar a coroa”, conclui Michelle.


 

“Ostentação na periferia: onde todos enxergam um bolsão de pobreza, eu vi oportunidade!”

Jeferson Egosss

Jeferson Santos é criador da Grife Egosss, uma marca de roupa para o público do funk. O empreendedor já esteve no Shark Tank Brasil, e tem uma história nada convencional de empreendedorismo. Vindo de Guaianases, periferia de São Paulo, Jeferson acredita muito no poder do sonho e do trabalho.

No palco do TEDxPinheiros deu uma aula sobre a arte de vender, a partir de um pote de paçocas. “Você pode oferecer um produto conhecido, mas quando se ativa o lado emocional, consegue-se vender qualquer coisa, criando uma boa oferta”, afirmou Jeferson.

O empreendedor entrou no ramo de vendas ainda menino, na barraca de roupas que seus pais tinham em uma feira da Zona Leste de São Paulo. E descobriu, ali, o que gostava de fazer. Com um investimento inicial de R$ 50 mil e peças desenhadas por ele, desenvolveu a Egosss, uma marca que explora o mercado funk. Investindo nas classes B e C, Jeferson faturou R$ 2,5 milhões em 2018. “A Egosss é uma marca da periferia e apostando nesse mercado, a empresa já conseguiu até uma revenda em Nova York.


 

A principal força contra a desigualdade racial é a nossa capacidade de sonhar e de executar, para derrubar muros.”

Matheus Cardoso

Durante 20 anos, Matheus Cardoso morou no Jardim Pantanal, comunidade da Zona Leste de São Paulo, que por muito tempo sofreu com as enchentes do Rio Tietê. Com o objetivo de ajudar os 40 milhões de brasileiros que vivem em casas insalubres no país, Matheus é um dos sócios do Moradigna, um negócio social que promove reformas de residências em comunidades de baixa renda.

“Estou sem palavras, não sei descrever a emoção que é poder realizar esse sonho de estar no palco do TEDxPinheiros e poder falar para tanta gente sobre o poder da inovação social. Sobre como podemos usar nossas habilidades e privilégios para realizar sonhos. É um orgulho para mim poder dar voz a essa temática e encorajar as pessoas a agir, a pensar diferente e a adotar um novo comportamento. Uma verdadeira revolução social”, comentou Matheus.

Matheus Cardoso costuma apresentar um dado que choca as plateias: 40 milhões de brasileiros vivem em moradias insalubres, com umidade e mofo nas paredes, sem iluminação e ventilação. Essa é uma realidade que ele conhece bem. Com apenas 19 anos, cursando a faculdade de engenharia civil, ele fundou, com dois sócios, o Moradigna, um negócio social que realiza reformas em comunidades de baixa renda, a um preço acessível, com qualidade, segurança e facilidade de pagamento.

Depois de passar pela aceleradora Yunus Negócios Sociais, Matheus viu que o negócio poderia ser viável ao realizar, com a ajuda de seu padrinho pedreiro, a primeira obra do Moradigna: a reforma da casa de sua mãe. Hoje, em seus quatro anos de atuação, o Moradigna já teve impacto positivo na vida de mais de 1.800 pessoas. A mão de obra utilizada vem das próprias comunidades e forma uma rede de colaboradores.


 

“O que eu tenho para oferecer é um coração cheio de amor, um olhar pelo próximo e os meus pés, que aprenderam a vida inteira a correr.”

Neide Santos

Desde 1999, o Projeto Vida Corrida vem mudando a vida de mulheres e crianças do bairro do Capão Redondo, por meio do esporte. Neide Santos lidera o projeto voluntariamente, que hoje atende 250 crianças e 200 adultos. Com a corrida de rua, promove a inclusão social, a saúde, a autoestima e a qualidade de vida dos moradores.

Nascida na Bahia, chegou a São Paulo ainda criança. “Fui entregue para adoção, sofri violência e vivi em uma oficina de costura dos 6 aos 11 anos. Só me colocaram em uma escola porque outra família me tirou dessa que me fazia trabalhar. Foi então que me mudei para o Capão Redondo. Casei-me, meu marido foi assassinado, tive filhos e perdi um filho para essa violência, mas nunca me vitimizei. Eu tinha toda a desculpa para dar errado e puxar um gatilho, mas eu escolhi ficar com o amor”.

Neide foi fisgada pela corrida com 14 anos, ao substituir uma das meninas do revezamento 4X100 em uma competição escolar. Fez o melhor tempo na prova e ganhou medalha. “O projeto começou sem pretensão, quando uma mulher, Maria Gonçalves, viu uma reportagem na TV sobre a São Silvestre em que eu aparecia. Ela quis correr comigo e falaram que ela não podia porque ela tinha mais de 60 anos. E eu disse que ela podia correr sim. E Maria Gonçalves começou a treinar comigo. Hoje ela tem 82 anos. As mulheres começaram a ver nós duas e pensaram que se a gente corria elas também podiam e foram juntando mulheres. Pouco tempo depois éramos mais de 30 mulheres treinando. Falo que quem incentivou as mulheres foi Maria Gonçalves”, lembra Neide.

Atendendo ao pedido do filho, incluiu as crianças do bairro no projeto. “A gente não tinha creche nessa época, não tinha CEU e as crianças ficavam na rua, a um passo para começarem a usar droga. Comecei a treinar inicialmente as meninas só aos sábados, porque eu não tinha tempo. Os meninos iam para o campinho, mas logo começaram a aparecer também”, explica Neide, que nem sabe como, conseguiu dar conta de tudo, sem patrocínio nenhum. Comprava equipamentos, fazia bingo, rifas e o que podia para arrecadar fundos para o projeto. “Eu vivo para motivar pessoas à prática esportiva porque se você quiser ter o prazer de envelhecer você tem que cuidar da saúde com prática esportiva, senão vai viver de remédio, cuidando de plástica, preocupada com corpo perfeito. Corpo bonito é aquele que tem uma mulher feliz dentro, não tem corpo perfeito”, concluiu Neide.


 

“Meu canto é um ato político ecoando por liberdade e direito de viver e ser arte.”

Maria Pérola

O TEDx Pinheiros terminou com a música de Maria Pérola, mulher negra e periférica. Psicóloga, cantora e compositora pernambucana, reside atualmente em São Paulo onde trabalha na produção do seu primeiro disco solo intitulado Iracema. Dentro do gênero da música experimental, traz uma musicalidade repleta de arte e cultura, destacando a importância da mulher negra dentro do contexto musical e o despertar para a criação e comunicação independente.

As palestras foram gravadas e serão divulgadas pelo canal TEDx do Youtube, em cerca de 30 dias.