Como os negócios de impacto podem interagir com as grandes empresas

Rodrigo Pipponzi (Editora Mol), Luana Rocha (TNH Health), Isabela Basso (Braskem Labs), Anna de Souza Aranha (Quintessa) e Claudia Pires (So+ma Vantagens), da esq. para a dir. Foto: Divulgação

Qualquer que seja o modelo de negócios – cliente / fornecedor ou parceria – a relação deve ser de ganha-ganha. Processos internos engessados, o momento que a empresa vive e o fluxo de caixa são desafios que as startups de impacto enfrentam. Economia circular, consumo consciente, tecnologia e inteligência artificial são áreas com boas oportunidades.

Para debater a relação entre grandes empresas e negócios de impacto, o Quintessa reuniu, no dia 14 de maio, em São Paulo, empreendedores de várias áreas para compartilhar experiências e aprendizados. Esse foi o tema da quarta edição do evento “Impacto e Retorno Financeiro: Histórias que só o Quintessa Pode Contar”. A série de encontros é realizada em parceria com a Unibes Cultural.

O Quintessa celebra, em 2019, 10 anos de atuação e mais de 70 negócios acelerados. Com o seu programa de aceleração, a instituição apoia a estruturação de empresas que estão ajudando a resolver grandes desafios sociais e ambientais, além de captar investimentos para fazê-las crescer.

Os empreendedores Rodrigo Pipponzi, fundador e diretor-executivo da Editora Mol, Claudia Pires, fundadora da So+ma Vantagens, e Luana Rocha, diretora de Customer Sucess da TNH Health, conhecem bem os caminhos para negociar com grandes empresas. Isabela Basso, analista de desenvolvimento sustentável da Braskem, também participou do encontro e apresentou a estratégia Braskem Labs, uma iniciativa da empresa que apoia negócios de impacto.


A editora Mol desenvolve publicações de conteúdo positivo e acessível em parceria com uma marca, com renda revertida para uma causa.


 

Especialista em projetos socioeditoriais, a meta da Mol é incrementar a cultura de doação. Rodrigo explicou que a empresa, criada em 2007, trabalha com um modelo de negócios que aproveita a capilaridade das redes de varejo. A editora desenvolve publicações de conteúdo positivo e acessível em parceria com uma marca, com renda revertida para uma causa. “O modelo foi construído inteiramente na relação de uma empresa pequena com grandes empresas e gerou ao longo desses anos um impacto muito grande. Nós já doamos mais de R$ 29 milhões para 58 organizações sociais diferentes”, afirma Rodrigo.

A So+ma é o único programa de incentivo que trabalha com mudança comportamental e com o propósito de gerar desenvolvimento socioeconômico. “O nosso primeiro case é a reciclagem e, para isso, juntamos vários atores como grandes empresas, órgãos governamentais e a comunidade. O grande interesse das empresas é resolver a questão dos resíduos e conseguimos entregar para elas tanto o aspecto ambiental quanto o social. Nós costumamos olhar a reciclagem pelo lado ambiental, mas há também um impacto gigantesco na saúde”, diz Claudia.

Luana Rocha é responsável pelas áreas de operações e sucesso do cliente da TNH Health, empresa de gestão de saúde que atende diversos tipos de clientes, entre eles grandes empresas como operadoras de planos de saúde, hospitais e indústrias farmacêuticas, além do setor público.

A plataforma desenvolvida pela TNH Health utiliza recursos de inteligência artificial. Os chatbots / robôs enviam mensagens de texto para ajudar as organizações de saúde a engajar e a monitorar populações em larga escala, detectar problemas e incentivar comportamentos saudáveis. “Acompanhamos as mensagens de pacientes em tempo real e, em situações de risco, podemos acionar profissionais de saúde com o objetivo de reduzir significativamente custos e eventos adversos. Nós chamamos de cuidados digitais em saúde. Nosso principal produto, lançado esse ano, é o Vitalk, que faz a gestão de saúde emocional, voltado para as grandes empresas e áreas de Recursos Humanos”, explica Luana.


O programa Braskem Labs Challenge faz a conexão entre a Braskem e as startups com o objetivo específico de gerar negócios.


 

O Braskem Labs, parceiro do Quintessa, é uma plataforma de empreendedorismo, que tem três programas diferentes para se conectar com o ecossistema. “Em 2015, a empresa sentiu necessidade de causar impacto ambiental de forma mais evidente. Na época, criou um prêmio de sustentabilidade para ideias/negócios que usassem a química para causar impacto social positivo. Mas premiar uma ideia não se revelou o melhor modelo porque até virar realmente um negócio levaria muito tempo. Aprendemos que o melhor modelo seria trabalhar no escopo de aceleração com empreendedores que já estivessem organizados, com negócios que já causassem algum impacto no mercado. Assim surgiu o Braskem Labs Scale em 2016, em parceria com o Quintessa”, afirma Isabela.

O programa tem um escopo amplo e trabalha com empreendedores que utilizem química ou plástico e não necessariamente o plástico que a Braskem produz. Negócios inovadores, que causem impacto socioambiental com base nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Braskem Labs Ignition foi criado para os empreendedores que ainda estão na base, precisando de apoio para desenvolver uma ideia. “O objetivo era apoiar esse empreendedor para que ele atingisse o nível de competir no Scale. Com esses dois programas, a meta da plataforma não era gerar negócios, embora isso acabasse acontecendo de forma orgânica. Era positivo quando acontecia para a Braskem e para a startup. Dessa necessidade foi criado o programa Braskem Labs Challenge, que faz a conexão entre a Braskem e as startups com o objetivo específico de gerar negócios”, comenta Isabela.

São lançados desafios como por exemplo: “como consigo ganhar eficiência hídrica nas minhas plantas industriais?”; “como consigo garantir eficiência energética nos meus escritórios”?; ou “como diminuo a emissão de CO2 da minha frota de logística?”.  “O programa busca startups que possam resolver esses desafios e tragam soluções viáveis. Fazemos esse match, desenvolvemos um projeto piloto para testar a solução juntos, dentro da Braskem, e se o resultado for positivo para ambas as partes, a startup se transforma em um fornecedor ou parceiro nosso. Estabelecemos uma relação de negócios mais a longo prazo. Essa plataforma funciona nesses moldes desde 2017 – já são mais de 50 negócios acelerados que passaram pelo nosso programa. Mais de 20 negócios já foram rodados dentro do Challenge e foram contratados para trabalhar com a Braskem”, conclui Isabela.

Mas como chegar em uma grande empresa?

Rodrigo explica que o modelo de negócio da Mol parte da premissa que a parceria tem de ser construída. “A gente brinca que, por meio dos projetos, ficamos ‘sócios’ das empresas. Nosso grande desafio é como iniciar uma conversa com as empresas para fazê-las entender o nosso modelo. Trabalhamos com 10 grandes redes. Entre elas, estão a Raia Drogasil, o grupo PB Kids, Óticas Carol, Ri Happy, Petz, Pandora e a rede St Marché de São Paulo. O comportamento foi diferente em cada uma delas. Em algumas, entramos pelo marketing, em outras pela área de sustentabilidade e responsabilidade social ou pela área de operações. Na realidade, para construir um modelo de negócio sustentável, tem que conversar com todas as áreas. Com o jurídico para ver os aspectos legais; com o financeiro para estabelecer um fluxo que atenda o projeto; com o RH, para garantir que a mensagem chegue no público interno e o engajamento aconteça. Não basta colocar o produto na loja. O funcionário do caixa tem que oferecer com convicção. O marketing tem que expor o produto da forma correta. No final temos interlocução com todas áreas. Não importa por onde eu entre, o que importa é construir essa relação de parceria”, explica Rodrigo.


Para a So+ma, é importante, na negociação com grandes empresas, ter dados claros, transparentes e rastreáveis, demonstrar todo o impacto que a ação tem na ponta.


 

No caso da So+ma, que troca atitudes por recompensas, uma das coisas que é bastante relevante na negociação com empresas é ter dados claros, transparentes e rastreáveis, demonstrar todo o impacto que a ação tem na ponta. “Nós desenvolvemos um sistema em que tudo o que o cidadão faz é digitalizado. O sistema ‘conta’ quais foram os resíduos entregues; o que aconteceu com o cidadão ao longo do tempo; qual impacto ambiental que essa atitude gerou; quem fez cursos e treinamentos. É uma relação direta com o cliente. Comecei conversando com as áreas de responsabilidade social das empresas e, hoje, meu trato é com o marketing, área em que trabalhei durante anos. Por experiência própria, é uma área de negócios que entende como impacto social pode trazer benefícios para a marca”, comenta Claudia.

Entre os principais clientes da So+ma estão a Cargill e a Heineken. Os catadores que levam resíduos domésticos para as Casas So+ma, localizadas em São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Salvador (BA), entre outras cidades, somam pontos que podem ser trocados por cursos, exames, alimentação básica, experiências, descontos em supermercados e muito mais. O Programa So+ma Vantagens busca criar novos hábitos relacionados ao modo de destinar resíduos sólidos domiciliares, segundo fundamentos de sustentabilidade e parâmetros de acordo com a legislação vigente; e contribuir para um ambiente empreendedor nas comunidades urbanas, transformando resíduos sólidos domiciliares recicláveis em pontos.


A plataforma da THN Health ajuda hospitais, órgãos públicos, operadoras de planos de saúde e empresas a monitorar a saúde do usuário.


 

Ao enviar mensagens de texto que ajudam hospitais, órgãos públicos, operadoras de planos de saúde e empresas a monitorar a saúde do usuário, a plataforma da TNH Health pode mostrar rapidamente e de modo seguro como coletar dados de pacientes e segmentar a carteira de clientes por risco para manter essas pessoas altamente engajadas no longo prazo. “Enquanto monitoramos o status de saúde dos pacientes, também estruturamos dashboards e relatórios de saúde da população para embasar ações com as populações. Às vezes, a empresa nos procura para desenvolver um determinado projeto, mas surgem outras prioridades e problemas que impedem o avanço. Passado algum tempo a empresa nos procura novamente para retomar o tal projeto. Nós podemos até estar em outra fase, porque startups evoluem rápido, mas procuramos atender”, comenta Luana.

Empresas grandes, de capital aberto, possuem uma fonte rica de informações que é a página de relações com os investidores. “Então uma coisa que procuro fazer antes de começar um projeto em uma grande empresa é estudar essa página que traz tudo o que eles querem – passado, presente e futuro – atualizadas, em tempo real. Assim, o projeto fica alinhado com as expectativas da empresa”, conclui Luana. “Não somos uma necessidade das empresas, mas a partir do momento que a gente consegue entrar e provar que funciona e o benefício social que o projeto gera, passa a fazer parte dessa realidade. Os cases que mais dão retorno são aqueles em que a empresa está mais engajada, em que as áreas estão mais alinhadas com o nosso trabalho”, comenta Rodrigo.

 Aprendizados

  • Respeitar os processos internos, muitas vezes engessados. Mas não dá para impor um processo novo, não vai fluir.
  • Respeitar o timing da empresa – às vezes não é hora para iniciar um projeto novo porque a empresa está preocupada com outras questões. “Um exemplo é o das Óticas Carol, foram quase quatro anos de conversa. Outros projetos podem levar quatro meses”, aponta Rodrigo.
  • Burocracia e fluxo de caixa são problemas desafiadores. “Às vezes, a empresa determina que os pagamentos devem ser feitos em um prazo de até seis meses. Isso quebra qualquer um, ainda mais uma startup que está começando. É um exercício de paciência e essa negociação, muitas vezes, não compensa. As empresas querem se relacionar com startups, de impacto ou não, porque elas trazem inovação. No entanto, essas relações precisam ser revistas. As relações precisam ser de ganha- ganha, precisam somar”, explica Claudia.
  • Estabelecer conexão entre o ecossistema de impacto e as grandes empresas, com empresas e não com pessoas. As empresas precisam enxergar o valor do impacto social para as marcas e o público interno. “Estamos saindo do pico da euforia e trazendo outros atores para o ecossistema. O jeito de fazer negócios mudou, os negócios tradicionais têm que mudar. Vivemos agora em um sistema, precisamos somar”, alerta Claudia.

A experiência do Quintessa mostra que muitas necessidades e desafios do mundo atual, podem ser supridas por startups, que enxergam melhor as oportunidades. Economia circular, consumo consciente, tecnologia e inteligência artificial são as tendências. “Hoje, as empresas recebem melhor as startups. É preciso lucidez e clareza para identificar as oportunidades. Por outro lado, não existe um programa melhor que o outro. Tudo passa pelo aproveitamento dos ativos instalados das empresas e pelos mentores”, conclui Anna de Souza Aranha, diretora do Quintessa.