Caminhos para enfrentar os desafios da saúde no Brasil

Luiz Felipe Costamilan (CBEXs), Sônia Bonici, Maria Paula Albuquerque (CREN), Camila Teixeira (INDEØV), Ruy Camargo (Impact Hub) e Carolina Nocetti (INDEØV)

Participaram do encontro, promovido pelo Impact Hub, a startup INDEØV, o Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs) e o Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN), que têm em comum o propósito de gerar impacto na saúde.

“Os desafios da saúde são enormes, uma verdadeira bomba-relógio, entre eles a sobrevivência do SUS, surtos de doenças infecciosas como dengue, zika, chicungunha e doenças crônicas como diabetes, hipertensão e a obesidade, que atinge 10% a 20% da população brasileira,” afirmou Ruy Camargo, diretor de Programas de Aceleração do Impact Hub, durante mais uma edição do Impact Morning, realizado no dia 30 de maio pelo Impact Hub São Paulo.

O tema do encontro foi o ODS 3 – Saúde e Bem-Estar. Participaram representantes de organizações bem diferentes, que têm em comum o propósito de gerar impacto na saúde. Entre elas, a INDEØV, uma das 35 startups selecionadas na etapa nacional do programa Brazil Accelerate 2030, iniciativa do Impact Hub e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para impulsionar negócios de impacto socioambiental. Participaram também do encontro o Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde, CBEXs, associação de classe que representa executivos e profissionais da saúde, e o Centro de Recuperação e Educação Nutricional, CREN,  organização sem fins lucrativos, que desde 1993 atua no combate e prevenção à má nutrição infantojuvenil.

“Sem uma visão ampla será muito difícil avançar nas soluções de problemas tão complexos que atingem a população brasileira”, afirmou Camargo, mediador do encontro.

Desafios de gestão

Luiz Felipe Costamilan, diretor executivo do CBEXs, vai mais além. Para ele, o Brasil vive uma tripla carga que sobrecarrega o sistema. “As doenças da pobreza, como sífilis, sarampo e dengue, que dependem só de prevenção e de promoção de saúde, não demandam terapias de alta complexidade. Há também as doenças do envelhecimento, que impactam no orçamento da saúde. Estamos ficando velhos antes de ficar ricos. O nosso modelo é baseado em hospital, construído para prestar cuidados agudos e não para atender casos crônicos. Há ainda uma epidemia de trauma, que em 2018, levou cerca de 100 mil vidas em decorrência de acidentes e homicídios”, afirma Costamilan.

Nesse cenário, os desafios de gestão também são enormes. Esse é o campo de atuação do CBEXs, entidade dedicada à promoção da excelência na gestão da saúde por meio de educação, de capacitação técnico-científica e de certificação dos executivos do setor público e privado. Tem como metas prestar cuidados mais eficazes, integrar a cadeia e levantar as demandas do setor.

“É preciso melhorar e qualificar o acesso à saúde. O desperdício representa de 20% a 30%. Máquinas sem manutenção ou sem técnicos preparados para operá-las, exames desnecessários, são apenas dois exemplos. Faltam lideranças capazes de conduzir mudanças e a realidade é que já estamos enfrentando profundas transformações. Novas tecnologias impõem desafios tanto de gestão quanto de custos. Cada vez mais, serão necessárias decisões corajosas para modificar as políticas públicas. Como gestores da saúde, não temos maturidade para decisões complexas. O CBEXs prepara as lideranças para decidir e encontrar o equilíbrio entre os investimentos que são todos necessários. Líderes que sejam capazes de entender o sistema, de cuidar pessoas que estão na ponta e de prepará-las para que elas possam maximizar a capacidade de atuar com as dificuldades”, explica Costamilan.

Porta de entrada ao ambiente regulado

Convulsões, epilepsia, Parkinson, esclerose múltipla, câncer e outras doenças podem se beneficiar do potencial terapêutico da Cannabis Medicinal. A INDEØV é uma startup que oferece uma solução inovadora: acesso à Cannabis Medicinal no Brasil. “Somos a porta de entrada ao ambiente regulado, guiados com o propósito de impactar positivamente a qualidade de vida de pacientes, familiares e cuidadores, conectando-os a médicos e produtores de Cannabis Medicinal”, explica Camila Teixeira, CEO da INDEØV.

Entre 365 inscritos, a INDEØV foi selecionada para participar do Accelerate 2030, do PNUD. “Isso significou uma chancela global ao nosso trabalho, imprimiu a credibilidade necessária para que possamos nos desenvolver no país”, afirma Camila Teixeira. Entre os serviços oferecidos pela INDEØV estão: conexão entre pacientes e médicos, resolução de trâmites de acesso, acesso a produtos e gestão de logística e acompanhamento terapêutico.

A educação do médico é outra frente fundamental da empresa. “É um tema sensível em tantas esferas e, principalmente, um desafio de comunicação. Os próprios médicos não conhecem o potencial terapêutico da cannabis e as possibilidades de tratamento. A medicina personalizada, que é uma tendência hoje, prevê estratégias diferentes, ajustáveis a cada paciente”, explica Carolina Nocetti, consultora técnica da INDEØV e fundadora da ABMedCan, empresa de educação médica sobre a cannabis medicinal.

“No Brasil, só cinco pacientes usam o medicamento legalmente. Temos atualmente 450 médicos que podem prescrever. É uma luta diária, mas também é transformador como os pacientes se beneficiam. É um trabalho de impacto social”, conclui Camila.

Má nutrição e distúrbios da alimentação

O CREN nasceu dentro da universidade, na antiga Escola Paulista de Medicina, atual UNIFESP, no Departamento da Fisiologia da Nutrição, há 25 anos, o que chancela a metodologia desenvolvida. “É uma ONG que se desligou da universidade para se expandir. Desde o início, quando começamos o projeto Favela com o apoio da FAPESP, a nossa vocação era trabalhar com a má nutrição infantojuvenil em bolsões de pobreza”, explica Maria Paula de Albuquerque, gerente-geral clínica do CREN.

A metodologia do CREN é centrada com intervenções na família e com atuação de equipes multiprofissionais porque a má nutrição é uma doença multissistêmica nos dois extremos, seja na faceta da desnutrição, seja na faceta da obesidade. Para o CREN, a boa nutrição das pessoas atendidas é alcançada por meio de três pilares: Assistência, Pesquisa e Formação e Multiplicação.

“A assistência é feita em ambulatório. Temos uma unidade que fica na Zona Leste, na favela do Pantanal e outra na Escola Paulista, onde começou a nossa história. Fazemos atendimento em hospital dia, que é o modelo CEI (Centro de Educação Infantil) para crianças muito pequenas portadoras de má nutrição, e em comunidades nas fronteiras do município, com muita dificuldade de acesso”, explica Maria Paula.

O Ensino e a Pesquisa são outros pilares fortes. O Comitê Científico do CREN conta com nove universidades e a residência médica reforça a atuação do SUS. O terceiro pilar consiste na formação profissional e na capacitação do território.” Acreditamos que essa é uma possibilidade de escala do nosso método, mas vivemos um momento de crise, reproduzindo um sistema focado nas doenças infecto contagiosas e em eventos agudos, não temos gestores com um olhar para processos educativos e de formação. Como diz o professor Eugênio Vilaça, ‘nós temos que pensar em condições crônicas de saúde’. Má nutrição e sedentarismo são doenças e temos que encarar dessa forma”, comenta Maria Paula.

A gestora lembra que a OPAS declarou que em 2015, o início da Década da Nutrição – à qual o Brasil aderiu em 2017 –, que iria frear a pandemia de obesidade principalmente nos adultos, estabelecendo metas de redução de açúcar nas bebidas e de aumento de frutas e verduras na dieta. ”Isso está muito longe de acontecer porque era para 2019. Temos que pensar numa agenda de ações e de políticas públicas voltadas para a boa nutrição porque, no Brasil, uma a cada três crianças de cinco a nove anos está com excesso de peso. Essa realidade brasileira nos coloca no top five do mundo. Se não fizermos nada, essas crianças vão morrer mais cedo que os seus pais, com 19 anos elas serão doentes. Nós da nutrição falamos dessa dupla carga: temos criança nascendo com baixo peso, desnutrida e baixa estatura e convivemos com crianças com excesso de peso. Essas crianças serão hipertensas aos 14 anos, diabéticas com 10 anos. Terão problemas como esteatose hepática, que não existia há 30 anos. A situação é muito mais crítica na cidade de São Paulo devido ao aumento da taxa de mortalidade infantil, um retrocesso. Temos 10 distritos extremamente vulneráveis com taxa de mortalidade acima de 10 que é um mínimo aceitável. Isso significa que toda a cadeia está comprometida e faz todo sentido debater o ODS”, alerta Maria Paula.

Com o objetivo de ganhar escala, em 2017, o CREN desenvolveu o projeto “Cuidar de quem cuida”. Nós visamos o profissional que está na ponta, o agente comunitário que mora na favela, que tem sua resiliência testada todos os dias. Ele está em contato com as famílias e tem um propósito. Se ele não entender a importância da boa nutrição e do processo educativo, nada fará sentido e ele não será um multiplicador. Este projeto foi desenvolvido em 2018 e atingiu 230 unidades básicas de saúde. Foi bem aceito nas comunidades, mas o feedback que recebemos da Secretaria Municipal é que prestar assistência seria mais necessário”, conclui Maria Paula.