2º Fórum NIP potencializa nova geração de negócios de impacto da periferia

“É um desafio muito grande virar a chave. Como agrego a minha luta a um modelo de negócios? Como integrar a minha situação social a um estudo de viabilidade para que eu possa viver disso? Nós não fomos forjados a empreender, a pensar como um empreendedor. Então não é comum que as pessoas da quebrada se posicionem como negócio social, mas elas querem fazer o melhor para o seu próximo e isso é muito potente.”

Com o objetivo de potencializar uma nova geração de negócios de impacto social, o 2º Fórum Negócios de Impacto da Periferia (FNIP) #PegaAVisão reuniu em São Paulo, no dia 8 de agosto, empreendedores, investidores e interessados nas conexões do ecossistema tradicional com o ecossistema de negócios de impacto da periferia, reunindo diferentes peles, saberes, muita história potente e muita gente criativa. Realizado pela produtora cultural A Banca, responsável pela Aceleradora Negócios de Impacto da Periferia (ANIP), o fórum teve como parceiros a Artemisia e a FGV EAESP Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios, e patrocínio do British Council, Fundação Via Varejo, Fundação Lemann, AZQuest, Instituto Vedacit e Fundação Tide Setubal. Participaram também representantes de periferias de outros seis estados, além de Jacqueline Bleicher, Global Urban Design (DICE), que veio da Inglaterra para o painel internacional.

O encontro aconteceu na Paróquia Santos Mártires, no Jardim Sonia Regina, parte do distrito Jardim Ângela. Ao abrir o evento, Fabiana Ivo, diretora pedagógica da A Banca, destacou que por muitos anos, as periferias da Zona Sul de São Paulo atravessavam a ponte do Rio Pinheiros apenas para trabalhar. “Hoje compreendemos que a travessia da ponte permite não apenas buscar novos conhecimentos, mas transmitir muito conhecimento produzido pela própria periferia, com base em narrativas potentes de trocas”.

Fabiana Ivo, diretora pedagógica da A Banca : “A travessia da ponte permite não apenas buscar novos conhecimentos, mas transmitir muito conhecimento produzido pela própria periferia”

Apenas para citar um exemplo, Fabiana lembrou que a Zona Sul é berço de muito rap, muitos espaços de saraus e de literatura de qualidade que se transformou em livros e poesias. E citou um verso do rapper Emicida:


 

“Eu sonho mais alto que drones

Combustível do meu tipo? A fome

Pra arregaçar como um ciclone

Pra que amanhã não seja só um ontem com um novo nome.”

Emicida


 

Painel Potências da Ponte pra cá

Os desafios de fomentar o conceito de negócios de impacto social na base da pirâmide, aprendizados e visão de futuro foram abordados no primeiro painel do Bloco #1 Potências da Ponte pra cá. Participaram do painel Maure Pessanha, diretora executiva da Artemisia, Edgard Barki, professor da FGV e coordenador do FGVCenn, e DJ Bola, presidente e fundador da A Banca.

DJ Bola começou explicando que o conceito de Negócios de Impacto da Periferia (NIP) “muitas vezes assusta porque está ligado com empreendedorismo e nós não fomos forjados a empreender. É como se isso não fosse para nós. Mas, na verdade, as pessoas que vivem nas quebradas já são empreendedores de impacto há muitos anos, só que não se posicionam como negócio social. O fato é que não conseguimos fazer a conexão com outros movimentos globais que estão acontecendo com o objetivo de proteger as pessoas que estão na base da pirâmide em situação de vulnerabilidade. As pessoas que estão na periferia vivem em situação insalubre, sem acesso a oportunidades e a crédito. É um desafio muito grande ´virar a chave´. Como agrego a minha luta a um modelo de negócios? Como integro a minha situação social a um estudo de impacto de viabilidade para que eu possa viver disso? Porque as pessoas querem fazer o melhor para o seu próximo e isso é muito potente”, afirmou DJ Bola.


 

“O apoio aos empreendedores da periferia tem que ser mais profundo e intenso.”

Maure Pessanha, diretora executiva da Artemisia


 

Para Maure Pessanha, o aprendizado mais significativo foram os códigos dos dois lados da ponte – os códigos comuns e os que não são comuns. “O setor de negócios de impacto tem dialogado muito com investidores, fundos, anjos, venture capital, equity, e na maior parte das vezes os parâmetros e as regras desses sistemas não fazem sentido para a realidade desses negócios. O empreendedor da quebrada tem um ativismo, envolve pessoas que geralmente fazem mais de uma coisa. Um dos critérios básicos das aceleradoras é que os empreendedores tenham foco, mas nem sempre isso faz sentido para eles”, afirmou Maure.

A tarefa que a diretora da Artemisia assumiu – apoiar negócios da periferia – é extremamente complexa. “Outro aprendizado importante é que nós precisamos de mais tempo para trabalhar e os empreendedores também. O apoio tem que ser mais profundo e intenso. Precisamos de uma visão de longo prazo porque não dá para cobrar desses negócios algumas métricas de sucesso. Uma coisa que aprendemos com o processo de aceleração da ANIP é que o empreendedor precisa encontrar um espaço de acolhimento. Não pode ser um espaço de pressão”, explicou Maure.


 

“A nossa visão de futuro não tem que ser periferia da ´ponte para lá e da ponte para cá´, mas sim um único ecossistema. Infelizmente esse ainda é um sonho distante.”

Edgard Barki, professor da FGV e coordenador do FGVCenn


 

O professor Edgard Barki foi mais radical. “A ANIP tem que morrer um dia porque isso significa que não precisamos falar mais de periferia e não periferia. A nossa visão de futuro não tem que ser periferia da “ponte da ponte para lá e da ponte para cá”, mas sim um único ecossistema. Infelizmente esse é ainda um sonho distante”, disse Barki.

Na avaliação de Barki, a ANIP proporcionou alguns aprendizados muito interessantes. “A maior virtude desse movimento talvez seja levantar o tema negócios de impacto da periferia no lado de lá da ponte e mostrar que podemos e devemos fazer diferente. Entender as peculiaridades que temos do lado de cá da ponte nos levou a desenvolver uma aceleradora que não vai repetir o que é feito do lado de lá da ponte. Precisamos entender as peculiaridades e necessidades que são distintas para fazer diferente. Esse é um processo longo de aprendizagem contínua”, destacou Barki.

Quando falamos em conceito de negócios de impacto, vem à tona toda a riqueza que existe nas quebradas. “Como conseguiremos, a partir dos negócios, fazer algo diferente e realmente desenvolver a periferia? A ANIP é um movimento maior do que os seus acelerados. É um movimento que consegue trazer para cá centenas de pessoas para discutir uma coisa que pode ser diferente e que tem o objetivo comum de criar um ecossistema, uma comunidade diferente, um novo caminho para quebrarmos essas pontes para não termos mais periferia”, disse Barki.


 

“Ao criarmos A Banca, tivemos que desconstruir o medo e, de certa forma, o mito de que a gente não poderia alinhar a sobrevivência financeira com a nossa paixão.”

DJ Bola


 

Bola citou a experiência de A Banca, que em 2008, se posicionou como um negócio social, superando uma grande barreira. “Resolvemos ganhar dinheiro com os serviços e produtos de A Banca. Foi um tremendo desafio. Não podíamos deixar o nosso sonho morrer. Tivemos que desconstruir o medo e, de certa forma, o mito de que a gente não poderia alinhar a sobrevivência financeira com a nossa paixão. Agora nós temos trabalhado essa desconstrução na quebrada para que as pessoas se apropriem do que amam fazer e, assim, se fortaleçam utilizando as pontes da cidade, se relacionando com outras organizações”, explicou.

O fundador de A Banca sabe que há um longo caminho pela frente até que a ANIP não seja mais necessária, até que as diversas barreiras sejam desconstruídas. “O conceito NIP (negócios de impacto da periferia) foi criado por essas pessoas que estão aqui na mesa, mas já estava estabelecido nas quebradas. As pessoas já estavam fazendo coisas com propósito dentro da quebrada. A aceleradora ANIP foi uma iniciativa que criamos para que pudéssemos participar desse negócio de iniciativas sociais. A Banca se posicionou assim porque acreditamos nesse modelo de sobrevivência, a partir do que se ama fazer, da economia criativa, aprendendo a lidar com o dinheiro”, afirmou Bola.

O Fórum mobilizou pessoas da Bahia, Recife, Rio de Janeiro e de várias outras cidades. “Todos querem saber o que é esse conceito NIP. Só que em todas as periferias do Brasil, os NIPs estão presentes, lá nas quebradas. Empreendedores que estão oferecendo serviços e produtos com propósito. Basta se organizar, se articular, se conectar com pessoas que têm o mesmo propósito”, apontou Bola.

Relação entre o ecossistema tradicional e o ecossistema de negócios de impacto de periferia

“Por mais que um único ecossistema de negócios sociais seja o nosso sonho, o que conecta esses dois ecossistemas, o tradicional e o da periferia, é o propósito, o objetivo de transformação. É isso que nos uniu – Artemisia, A Banca e FGV. Um propósito muito alinhado porque todos nós queríamos pensar numa ação que fosse exclusivamente voltada para as pessoas da periferia. Essa é a magia. O que esse conceito pode trazer quando você se aproxima de pessoas com capacidade e competências. O nosso propósito é a palavra-chave e isso é muito potente”, explicou DJ Bola.

O professor Barki destacou que o mais importante não é fomentar os negócios, mas sim os empreendedores de forma genérica. “Isso é possível por meio de três capitais relevantes. O capital humano, que consiste em desenvolver as pessoas em todos os sentidos, capacitar empreendedores e empreendedoras que podem fazer acontecer. O segundo capital é o físico: quais são os recursos necessários? O dinheiro para o negócio é importante, mas não é o único. Quando o empreendedor está iniciando, ele precisa de dinheiro também para sobreviver no dia a dia. O terceiro é o capital social, que no caso dos NIPs é ainda mais relevante. O capital social é formado pelas relações que permitem que as pessoas consigam juntar as pontas efetivamente. Como podemos fomentar essas relações? Na ANIP, aprendemos que é mais importante acolher o empreendedor do que incentivar a mentalidade de crescer e crescer. E que é muito importante termos esse olhar geral e esse olhar individualizado para o empreendedorismo em todos os segmentos, mas na periferia se mostra ainda mais relevante”, disse Barki.

O papel das empresas, da iniciativa privada e do governo é fundamental

Para Edgard Barki, “quando pensamos em quebrar as pontes, juntando o lado de lá e o lado de cá, com todo mundo pensando de uma forma mais próxima, questionamos como fazer isso? Como disse Bola, o que une as pessoas são os propósitos. Parcerias são difíceis, trabalhar juntos às vezes esbarra em muitas dificuldades. Porém, a relação é boa quando há um propósito comum. As empresas podem incentivar a entrada de projetos em suas cadeias de valor. Quando elas se aproximam da periferia, ganham mais relevância”.

O governo também pode e deve participar desse movimento, instalando laboratórios de inovação para aproveitar toda a riqueza que existe na periferia. É o caso da inovação reversa. As pessoas podem pensar que a inovação sempre vem do lado de lá da ponte, mas pode vir também da periferia e beneficiar a todos”, explicou Barki.

Para Maure, o mais relevante nesse momento que vivemos no campo, na história do país, é ter pessoas individualmente muito comprometidas, com escuta aberta e dispostas a cocriar algo novo e diferente. “Isso vale para as empresas, governo e investidores. Sei que é difícil porque muitas vezes bancos, órgãos de fomento e as empresas têm suas agendas e seus critérios de investimento. Mas poder contar com atores de grandes empresas, governos e investidores na mesma mesa, conversando sobre o que é possível fazer para mudar a realidade, é fundamental. Nós, como aceleradora, estamos colados e mais próximos dos empreendedores. Por isso é importante conectar mais pessoas. Os investidores também estão discutindo o empreendedorismo, criando instrumentos inovadores. O que a gente quer construir afinal para o nosso país?”, questionou Maure.

Além de concordar com Maure, o professor Barki reforça que tudo passa pela construção de novos caminhos. “Isso não é uma coisa simples e não podemos ter a ilusão de que os grandes investidores estão dispostos a investir nos NIPs e a criarem novos unicórnios. Precisamos trabalhar juntos para construir novos modelos, apoiar os negócios da periferia para que eles floresçam e gerem impacto”, disse Barki.

Como é ser um negócio de impacto e aceleradora? É fácil?

Segundo o DJ Bola, A Banca não faz apenas o programa de aceleração de negócios de impacto da periferia, ANIP. “Entre outras atividades, temos uma banda chamada Aborígenes, um estúdio de gravação, oferecemos serviços para escolas e empresas, realizamos encontros abertos. Nós fazemos muitas coisas e o segredo para cuidar de todas essas frentes é cuidar do nosso tempo. Fazemos muitas coisas para poder gerar grana e pagar as contas. Não temos um networking que nos apoie, por isso temos uma educação financeira muito controlada. O dinheiro não é um fim, mas é um processo pra fazer as coisas. Não é fácil, mas é muito prazeroso A paixão pela música foi o nosso jeito de fazer as coisas. Nosso caminho foi trilhado, acreditando no que amamos fazer”.


”Para criar novos caminhos, é preciso acreditar no que se ama fazer e ter clareza disso. Outra coisa é não esperar ser convidado, ir à luta, buscar fortalecer o que já faz e trazer novos conhecimentos e aprendizados.”

DJ Bola


 

“Não fomos convidados a participar dos programas de aceleração”, afirmou o DJ Bola. “Tivemos que meter o pé na porta, no bom sentido. Quando falamos em negócios de impacto, há um propósito que nos conecta. Por isso, é importante conversar com quem está na tomada de decisão, desconstruir barreiras e medos e fazer o trabalho na base, ter uma equipe engajada para superar as crises no dia a dia. Para nós, um dos desafios é dialogar. Mas estamos caminhando, fortalecendo o nosso sonho. O conceito de NIP está nas quebradas.”