Negócios insurgentes ganham espaço em setores dominados por grandes empresas

Marcelo Abritta, cofundador da Buser; Lucas Prado, cofundador da Pier; e João Costa, cofundador da Kovi. Foto: Divulgação

A Kovi oferece aluguel de carros para motoristas de aplicativo. A Pier é uma plataforma digital de seguros para celulares iPhone e Android. E a Buser conecta pessoas que querem viajar para o mesmo destino com empresas de fretamento. Disruptivos e inovadores, os negócios insurgentes democratizam o acesso a serviços e desafiam os mercados tradicionais com tecnologia, velocidade e proximidade com o usuário.

Negócios insurgentes estão ganhando espaço em segmentos dominados por indústrias tradicionais, oferecendo serviços simplificados ao consumidor, democratizando acessos e desafiando os modelos atuais de negócio. Durante a edição 2019 do Scale-Up Summit, promovido por Endeavor, Santander e EY, em São Paulo, no dia 27 de setembro, essa foi a principal mensagem do painel Insurgentes: como operam os negócios que estão criando novas indústrias, formado por Lucas Prado, cofundador da Pier; João Costa, cofundador da startup Kovi; e Marcelo Abritta, cofundador da Buser.

Com transmissão online ao vivo, o Scale-Up Summit reuniu mais de 10 mil empreendedores interessados em ampliar conhecimentos e em aprender com a experiência das empresas que mais crescem no país. O objetivo é compartilhar com os participantes a jornada de empreendedores que já passaram pelos mesmos desafios de crescimento e fornecer insights sobre práticas de gestão e liderança que podem ser aplicadas facilmente. O Scale-Up Summit 2019 contou com mais de 10 painéis sobre os desafios dos empreendedores que mais crescem, 30 palestrantes (empreendedores à frente de empresas que mais crescem no país) e 8 horas de transmissão online ao vivo e gratuita. Muita munição para ajudar no dia a dia de empreendedores em geral e de negócios de impacto social. Para assistir ao Scale-Up Summit 2019, acesse aqui.

Segundo a Endeavor, há transformações importantes acontecendo no mercado: mais fundos estrangeiros chegam ao Brasil levando as empresas a novos patamares de crescimento; corporações se aproximam do ecossistema empreendedor gerando inovação e escala; e a nova Lei Geral de Proteção de Dados faz negócios repensarem seu modelo para não deixarem de existir. Em primeiro plano, nestas transformações, estão empreendedores e empreendedoras à frente das empresas que mais crescem no país e que podem responder o que vem pela frente. O Scale-Up Summit teve o objetivo de dar voz a essas empresas, compartilhando esse conhecimento de forma ampla.

Os participantes do painel Insurgentes: como operam os negócios que estão criando novas indústrias, discutiram os desafios para o crescimento de novos negócios dentro de setores dominados por empresas grandes e tradicionais. Em comum, as startups insurgentes – que são aquelas consideradas inovadoras e disruptivas – usam velocidade, tecnologia e proximidade com o usuário para crescer e ganhar escala, e estão dispostas a brigar contra as deficiências do sistema.

A Buser, por exemplo, é um aplicativo semelhante ao Uber, mas tem seu foco na viagem rodoviária, conectando pessoas que querem viajar para o mesmo destino com empresas de fretamento executivo. “Nós resolvemos o problema da falta de alternativa que as pessoas têm na hora de viajar de uma cidade para outra. Quase todas as viagens são oferecidas por apenas uma empresa. Quando só tem uma empresa atuando em qualquer mercado o preço sobe. É comum uma viagem de ônibus custar mais do que uma viagem de avião. Isso é completamente inaceitável porque um avião custa US$ 100 milhões e o ônibus custa R$ 1 milhão. A nossa fórmula foi inverter a lógica de contratação de serviço. Ao invés de as pessoas irem para a rodoviária comprar passagem com a empresa que está lá, as pessoas entram na Buser e encontram 30, 40 pessoas que querem fazer a mesma viagem. Nós ajudamos o grupo que está na plataforma a alugar um ônibus e a dividir o preço do aluguel. De uma forma simples, passamos a acessar 50, 60 empresas ao invés de uma só e isso tem dois efeitos: a competição entre as empresas e, por ser uma compra coletiva, o preço da viagem cai em média 50% e em alguns casos 65%. É o Uber do ônibus. Ônibus pela metade do preço e um serviço muito melhor”, explica Marcelo Abritta, cofundador da Buser.

Fundada em 2018 por Adhemar Neto e João Costa, ex-funcionários da 99 Táxi, a Kovi surgiu para concorrer no mercado de locação de veículos. Os aluguéis são feitos pelo aplicativo ou site da empresa, que se propõe a reduzir a burocracia para os motoristas que querem adquirir o serviço.


“O discurso de que o serviço das startups insurgentes não é seguro não nos atinge porque prestamos um serviço muito próximo das empresas que já estão no mercado. Fazer o correto dá certo. Se você estiver certo, fazendo o bem, ajudando as pessoas, não tem lei no mundo que vá contra!”

João Costa, da Kovi


“A Kovi oferece, por exemplo, um aluguel semanal para o motorista. Ao invés de pagar o mês inteiro para uma empresa de aluguel de carros, o cliente faz um investimento inicial para passar uma semana com o veículo, valor que torna o aluguel de 5% a 10% mais barato que as locadoras tradicionais. A mudança no modelo de cobrança reduz muito a barreira de entrada no mercado de trabalho. Na primeira semana, ele já consegue trabalhar e ganhar dinheiro para pagar esse primeiro investimento. Outro ponto é que não usamos os métodos tradicionais de verificação dos dados do motorista. Não usamos, por exemplo, a Serasa para fazer uma validação do motorista. Se ele deve R$ 100 de conta de luz, não vamos bloqueá-lo como as empresas tradicionais fazem. Usamos muita tecnologia e monitoramos o comportamento na direção e histórico do motorista. Queremos realmente dar uma ferramenta de trabalho e ajudar as pessoas que querem trabalhar”, explica João Costa.


“Independente do negócio, se você for pró-consumidor no final você vai vencer a batalha. As empresas estão ali para atender bem o consumidor. Ser pró-consumidor é importante para enfrentar as dificuldades que surgirem.”

Lucas Prado, da Pier


A Pier, startup brasileira fundada pelos empreendedores Lucas Prado, Igor Mascarenhas e Rafael Oliveira, é uma plataforma digital de seguros para celulares iPhone e Android. “Existe muita fraude e muita burocracia no mercado de seguro, o que acaba trazendo uma experiência ruim para os clientes, uma relação desgastada. Além disso, a cadeia depende de corretores, o que acaba dificultando ainda mais a relação com o segurado. Conhecer o seu cliente e ter uma relação mais direta com ele faz diferença. Muitas vezes a pessoa contrata uma seguradora para se proteger de um risco e fica com medo de não receber o seguro quando mais precisar. A Pier nasce nesse contexto: queremos trazer mais leveza para essa indústria e ajudar de fato as pessoas quando elas mais precisam do seguro”, conta Lucas Prado, cofundador da Pier.

 “Construímos o nosso negócio com três grandes pilares. Primeiro, alinhamos os interesses das duas partes. Hoje quando uma pessoa contrata um seguro, ela pode pensar que se a seguradora não pagar a indenização, já está ganhando com o dinheiro das pessoas. Então a primeira coisa que fizemos foi ter uma taxa fixa sobre o seguro. O faturamento da Pier vem de uma taxa fixa. O segundo ponto muito importante era conseguirmos ter uma relação mais direta com nosso consumidor. Colocar o consumidor no centro. A nossa preocupação abrange desde construir o produto quanto distribuir o seguro. Acabamos falando diretamente com nossos clientes, a quem chamamos de membros. Esse é o terceiro aspecto desse negócio. A origem do seguro vem de uma natureza comunitária. As primeiras seguradoras tinham uma ótica muito forte de comunidade e nós construímos a Pier com essa ótica. Para você participar da Pier, para contratar o seu seguro, você precisa ser aceito pela comunidade e essa aceitação não leva em consideração só o CPF. Basicamente é uma correspondência do perfil digital dessa pessoa com perfil digital dessa comunidade. Essa semelhança pode fazer com que essa pessoa seja ou não aprovada para proteger o seu smartphone com a gente”, afirma Lucas Prado.

Com esse modelo, a Pier já possui mais de 40 mil pedidos para participação. A tecnologia permite à empresa pagar um reembolso em cinco minutos, aceitar uma pessoa num processo de contratação que dura menos de três minutos e não sofrer tanto com as fraudes. O produto da Pier é transparente e busca uma experiência boa de entrega ao consumidor.


“Na Buser adoramos brigar com os incumbentes. Criaram um monopólio que tem que acabar, essa é a verdade. A senha do Wi-Fi da empresa é rodoviárianuncamais.”

Marcelo Abritta, da Buser 


Segundo Marcelo Abritta, a Buser é muito simples. “Ônibus pela metade do preço. É isso que comunicamos para o mercado. Eu acho que o nosso diferencial foi assumir o risco de brigar contra o sistema e falar: ‘olha, se existe a possibilidade de o ônibus custar metade do preço ele tem que custar metade do preço. E se vocês querem brigar comigo, lets do it. Quando procuramos os investidores, ouvimos questionamentos semelhantes aos que o Uber teve na disputa contra o táxi. Só que eu acho que tem um ambiente de apoio a isso no Brasil. As pessoas estão cansadas desses modelos. Vemos muita evolução acontecendo nas fintechs, seguradoras, mas no caso dos ônibus não aconteceu nada e existe um ambiente que está apostando que está na hora de mudar. Compramos essa briga”, explica Marcelo Abritta.

Segurança é quase sempre um argumento dos incumbentes – competidores conhecidos, mais tradicionais – em relação aos insurgentes, para tentar manter as startups afastadas do mercado. “Quando um motorista aluga um carro na Kovi recebe mais do que uma ferramenta de trabalho; recebe uma estrutura inteira que o ajuda no dia a dia: equipe de segurança 24 horas, equipe de socorro e resgate. Temos sistemas inteligentes dentro dos nossos veículos que detectam qualquer colisão. Conseguimos inclusive fazer replay

de batida quando isso acontece, para ajudar no processo de sinistro, de saber, por exemplo se tem que mandar uma ambulância para o local, ou só uma equipe para ajudar. Em alguns casos, fornecemos também carro reserva para ajudar o motorista a reduzir o tempo em que está sem o seu instrumento de trabalho. Esse discurso de que o nosso serviço não é seguro não nos atinge porque prestamos um serviço muito próximo das empresas que já estão no mercado. O que fazemos é criar uma rede de suporte para o motorista e eles percebem esse valor”, destaca João Costa, da Kovi.

“A palavra segurança parece um pouco com seguro. No Brasil hoje se você quiser abrir uma seguradora, tem que passar por um processo, tem que obter autorização e tudo mais. Como seguro é algo que impacta muito a vida financeira das pessoas, toda segurança é importante. Então, desde o começo, tentamos fazer a coisa do jeito certo. No começo, o objetivo era abrir uma seguradora de carro. Hoje no Brasil o mercado de danos é o maior mercado. Só que não conseguimos abrir essa seguradora. Ficamos um ano inteiro estudando regulação. Os advogados diziam: se vocês fizerem assim vocês vão ser presos. No final de 2017, montamos uma landing page que falava muito de tecnologia e falava muito pouco de seguro. Queríamos testar o mercado, saber quem compraria a nossa proposta que era digital e transparente. Toda startup precisa trazer um benefício para o consumidor. Era até difícil a pessoa entender o que a gente vendia. São sempre os amigos que acabam comprando. Um dia, quando um cliente pagou pelo seguro, entendi que alguma coisa fazia sentido nesse negócio. A Pier funcionou durante nove meses como um projeto piloto”, lembra Lucas Prado, cofundador da Pier.


“O fato é que o nosso modelo é parecido com o Uber, uma audácia, um sonho grande. As empresas que trabalham conosco também trabalham no setor regulado.”

Marcelo Abritta, da Buser


“O argumento da segurança é um dos principais utilizados pelos incumbentes para dizer que a gente é um pirata. Enfrentamos esse desafio. O consumidor comparava os preços e dizia ´não é possível! Isso deve ser um pau velho! Se eu embarcar no ônibus não chego no destino!´. Frequentemente, nas primeiras viagens vinha a família inteira porque o pai queria ver o ônibus para ver se deixava o filho embarcar. O fato é que o nosso modelo é parecido com o Uber, uma audácia, um sonho grande. As empresas que trabalham conosco também trabalham no setor regulado. São empresas que há décadas fazem viagem de romeiros para Aparecida, turismo para Bahia, viagem de compras etc. Tudo dentro de um ambiente bastante regulado. Os veículos são inspecionados, os motoristas fazem exames toxicológicos regularmente. Instalamos nosso próprio GPS em toda a frota, sensor de proximidade com carro da frente. Tudo o que é possível para colocar em termos de segurança. Mas é normal aparecerem argumentos falaciosos para defender as reservas de mercado que foram criadas aos longos dos anos. Entendo que é parte do nosso trabalho deixar claro e transparente esse ponto tão sensível”, esclarece Marcelo. Abritta.