Marco Gorini: “Acredito no empreendedorismo de impacto como a principal alavanca de transformação global e que empreender é uma forma de ser, mais do que de fazer” (Foto: Patricia Caggegi)

Em entrevista ao portal Notícias de Impacto, Marco Gorini, sócio da Din4mo, fala dos planos da empresa para os próximos anos, analisa a evolução do setor de negócios de impacto social no Brasil e destaca o papel dos empreendedores, considerados uma poderosa alavanca de transformação e de construção de um país melhor para todos. Para os próximos três anos, a meta é apoiar mais 45 startups no Programa Inovadores de Impacto, investir em startups via equity crowdfunding e estruturar operações de crédito via mercado de capitais com a InvestSocial.

Há cinco anos à frente da Din4mo, Haroldo Torres, Marco Gorini e Marcel Fukayama têm, desde o início, uma missão clara: apoiar, desenvolver e fortalecer empreendedores de negócios de impacto e colocar a força dos negócios a serviço da transformação social. Em um esforço contínuo para inovar, ser pioneira em iniciativas que façam sentido e inspirar outros atores, a Din4mo começou entregando conhecimento, depois equity e, mais recentemente, construiu um novo pilar para entregar crédito aos empreendedores.

“A nossa história ao longo desses anos é criar soluções que possam viabilizar de uma forma mais satisfatória o acesso dos empreendedores de impacto a serviços, produtos e capitais adequados, assertivos e aderentes às suas necessidades”, afirma o sócio Márcio Gorini, que a cada dia constrói, na prática, o perfil com o qual se apresenta no LinkedIn: “Desejo ser ator na cocriação de um mundo mais digno, equânime, sustentável e feliz. Acredito no empreendedorismo de impacto como a principal alavanca de transformação global e que empreender é uma forma de ser, mais do que de fazer. Empreendedores são protagonistas da vida. Faz um bom tempo escolhi dedicar minha vida a fazer deste desejo e destas crenças um propósito e deste propósito o oxigênio que me anima, alegra, inspira, diverte e dá sentido às minhas ações.”

Oxigênio é o que não falta à Din4mo em sua trajetória de cinco anos. Com o programa Inovadores de Impacto, a empresa garantiu 5,5 mil horas de atendimento individual a 40 startups. Nesta construção, levou cinco empreendimentos a serem vencedores do edital ICE-BID e dois a receberem a premiação Empreendedor Social, da Folha de S. Paulo. Além disso, a Din4mo investiu R$ 700 mil em sete negócios de impacto social e mobilizou R$ 3 milhões de capital semente de mais de 400 investidores via equity crowdfunding. Em conjunto com o Grupo Gaia e com o apoio da Tozzini Freire, foi pioneira na estruturação da primeira debênture de impacto social do Brasil, premiada pela ONU Habitat. E para completar, criou em 2018 a joint venture InvestSocial, com o Grupo Gaia, para estruturar soluções de crédito para negócios de impacto socioambiental. Para os próximos três anos, a meta é apoiar mais 45 startups no Programa Inovadores de Impacto, investir em seis ou sete startups via equity crowdfunding e estruturar entre seis e nove operações de crédito via mercado de capitais com a InvestSocial.

Três palavras, muito usadas internamente, revelam parte da fórmula do sucesso: integridade, coerência e consistência. “Tem que ter integridade e coerência com o que a gente acredita e consistência na entrega no que se refere à quantidade e qualidade, para que chegue ao campo e se transforme em algo verdadeiro”, afirma Gorini.

No Brasil e no mundo, os empreendedores de negócios de impacto estão redesenhando a forma de fazer negócios, com resultados financeiros positivos e sustentáveis associados ao firme propósito de criar soluções inovadoras para melhorar a vida das pessoas, especialmente com produtos e serviços voltados à população de baixa renda e que buscam solucionar problemas sociais e ambientais. São os negócios do chamado setor 2.5, situado entre o segundo setor, das empresas, e o terceiro setor, das organizações sem fins lucrativos.

O 1o Mapeamento Brasileiro de Negócios de Impacto Socioambiental, realizado pela Pipe Social, registrou 579 negócios em operação em 2017, 70% deles formalizados, dedicados principalmente às áreas de educação (38%), tecnologias verdes (23%) e cidadania (12%). Segundo a edição 2018 do Panorama do Setor de Investimento de Impacto na América Latina, relatório produzido pela ANDE (Aspen Network of Development Entrepreneurs) e LAVCA  (The Association for Private Capital Investment in Latin America), o investimento de impacto na América Latina, ou seja, a injeção de recursos em empresas que buscam tanto o ganho financeiro quanto o retorno social ou ambiental, cresceu 7,7% no biênio 2016 / 2017, comparado aos dois anos anteriores. O volume de novos aportes do gênero na região atingiu US$ 1,4 bilhão no período, em 860 operações. E esse montante deve continuar a crescer: os investidores esperam dispor de mais US$ 1 bilhão por ano entre 2018 e 2019 para projetos de impacto na América Latina. O Brasil ficou em quarto lugar por total de recursos recebidos em projetos de impacto, com US$ 131 milhões e 69 operações. A liderança da lista foi do Peru, com US$ 218 milhões e 152 operações, seguido de Equador e México.

Apesar da evolução do ecossistema de negócios de impacto social e ambiental, Marco Gorini acredita que ainda há muito por fazer, até porque a natureza dos problemas é imensa e as soluções oferecidas ainda estão aquém das necessidades, tanto em volume quanto em qualidade. Além do desafio da qualificação dos empreendedores, há a necessidade de maior apoio aos intermediários.

“Para conseguirmos um impacto mais sistêmico, é preciso garantir mais apoio aos intermediários, uma vez que eles geram impacto em muitos empreendedores. Intermediários como aceleradoras, incubadoras, consultorias e parques tecnológicos são os que fomentam, desenvolvem soluções para os empreendedores e precisam ser considerados nas políticas de investimento, sejam elas públicas, privadas ou filantrópicas. Essa inclusão é importante para o fortalecimento do ecossistema”, destaca Gorini.

Nesta entrevista ao portal Notícias de Impacto, Marco Gorini fala da trajetória da Din4mo; da entrega de conhecimento, passando pelo equity, à entrega de crédito; do amor à causa; dos planos para 2019, incluindo novas operações da InvestSocial destinadas a apoiar negócios de impacto via mercado de capitais; e da certeza de que a evolução do setor de negócios de impacto social e ambiental é irreversível e essencial para a construção de um mundo melhor. Apesar dos riscos envolvidos, Marco Gorini entende que não há outro caminho: “Se a gente de fato quer disseminar uma cultura empreendedora no Brasil e resetar o que significa sucesso no nosso planeta e na nossa sociedade, é preciso direcionar esforços, energia, tempo e recursos para desenvolver isso. Eu me sinto muito abençoado em trabalhar no que amo, com um propósito em que acredito”.

A Din4mo nasceu em 2014 com a visão de fortalecer os negócios de impacto social e ambiental. Qual o foco principal da tese de impacto da empresa hoje?

Nascemos em março de 2014, portanto completamos agora uma trajetória de cinco anos. Nos posicionamos como uma empresa que foca em fortalecer, apoiar e desenvolver empreendedores de negócios de impacto. A tese de impacto que defendemos está conectada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS, da ONU. Olhamos hoje para três dos ODS como centrais à nossa tese: ODS 3, saúde e bem-estar; ODS 10, redução das desigualdades; e ODS 11, que fala das cidades mais sustentáveis. Os ODS ajudam a convergir o campo de negócios de impacto para a mesma visão, para o mesmo propósito, para uma mesma “língua”. A Din4mo entende que esses três ODS e suas respectivas metas serão endereçados primordialmente pelo setor privado. E, dentro do setor privado, por empreendedores.

Na visão da Din4mo é o setor privado que terá papel principal na condução das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

É o setor privado que vai puxar esse carro. Não é uma solução unilateral, as soluções precisam ser cocriadas e ter a participação de todos os atores, públicos e privados, mas a gente entende que o setor privado, os empreendedores particularmente, são uma alavanca, um vetor de transformação social poderoso. Por conta disso, está na centralidade da nossa tese de impacto trabalhar na qualificação desses empreendedores e irrigar esse ecossistema com o que o empreendedor necessita para ser bem-sucedido. O ponto nevrálgico está na pergunta: o que esse empreendedor precisa para ser bem-sucedido? Ele precisa de tudo o que qualquer empresa precisa – acessar um bom time, acessar capital com uma estrutura adequada em termos de prazo, taxa, custo, risco, etc. Precisa acessar crédito, tecnologia e assim por diante. Ou seja, precisa de todos os recursos que um negócio precisa acessar, na sua história de desenvolvimento, para que possa aumentar as suas chances de êxito, tanto para gerar impacto quanto para gerar retorno financeiro para os seus acionistas e sócios. É o que a gente tem feito nestes últimos cinco anos. Criar soluções que permitam entregar esses recursos para esse empreendedor, para essa startup.

O Programa Inovadores de Impacto, primeira iniciativa da Din4mo no momento de sua criação, surgiu nesse contexto?

Sim, o Programa Inovadores de Impacto foi o começo. No Inovadores entregamos ao empreendedor toda a parte de modelagem de negócio, gestão, marketing e vendas, governança, cultura, desenvolvimento de time, inovação. É um Programa com um olhar bem 360o e alicerçado na nossa longa experiência como empreendedores. Foi o início do posicionamento da Din4mo, no chamado “vale da morte”. Sentimos que tinha aí uma lacuna importante. Tínhamos as aceleradoras, na fase de ideação e início de validação dos MVPs (Minimum Viable Product ou Produto Mínimo Viável), fundos de impacto atuando na escalada da empresa, mas no meio do caminho víamos o bastão caindo, com uma taxa de mortalidade muito elevada em razão da escassez completa de todos os tipos de capital – humano, financeiro, social. A Din4mo ocupou esse espaço e hoje somos reconhecidos no ecossistema por conta disso, pela estratégia de servir a esse empreendedor da melhor forma possível neste estágio.


“O setor está amadurecendo, é nítida a evolução tanto na compreensão quanto na articulação dos atores. Mas ainda há mais demanda do que oferta no campo para atender às necessidades.”


O ecossistema mudou muito nesse período ou o “vale da morte” continua presente da mesma forma?

Eu acho que o setor está amadurecendo. Tem mais atores entrando, o que a gente falava há quatro anos, hoje quase todo mundo fala. É um sinal de compreensão, de amadurecimento conjunto. Mas isso não significa que as soluções estejam sendo endereçadas em termos de quantidade e de qualidade para atender à demanda. Na nossa opinião tem mais demanda que oferta no campo para atender às necessidades, mas é nítido que há uma evolução tanto na compreensão quanto na articulação dos atores. Atores como a Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto têm realizado um trabalho meritório de disseminação, informação, labs de inovação, o que ajuda o setor a crescer, a se fortalecer e a se conectar com gente nova, a falar com diferentes plateias. Nesse sentido, o setor mudou para melhor. Na Din4mo, a gente se esforça muito para inovar, para ser pioneiro em iniciativas que possam fazer sentido e para inspirar outros atores que possam vir junto, desbravar o que a gente pensa.

O Programa Inovadores de Impacto também mudou?

O Programa amadureceu muito. Hoje tem características muito mais assertivas, pragmáticas em termos de entrega para o empreendedor. É fruto do próprio desenvolvimento, das interações com esses empreendedores. Afinal, estamos falando de quase 5,5 mil horas de conexão total com as startups. São muitas horas de voo. Cerca de 40 startups passaram pelo programa, que tem dois módulos de duração de seis meses cada, com 50 semanas no total.

O que diferencia o Inovadores de Impacto dos modelos clássicos de aceleração adotados no setor?

Primeiro, não nos percebemos como uma aceleradora. Somos um venture builder com uma atuação sistêmica junto ao empreendedor. O Programa é o nosso pilar de oferta de conhecimento e instrumentos, é um programa individualizado, customizado para cada startup. Segundo, não está estruturado em torno de mentorias de terceiros, é o próprio time da Din4mo que traz a sua experiência empreendedora em cada reunião, garantindo senioridade, consistência e proximidade. E terceiro, tem uma característica de flexibilidade muito grande em relação à necessidade da startup em cada momento em que ela está interagindo com a gente. Temos uma coluna vertebral do que precisa ser tratado, mas isso é muito flexível e aderente à dor, à necessidade que aquela startup está vivendo naquele momento. O escopo e a pauta são cocriados com o empreendedor. Nós não damos aula, aqui o foco é como fazer um negócio dar certo. E o negócio dar certo significa estar muito alinhado com o que emerge do campo. O que a gente faz é facilitar o entendimento, a estrutura de um pensamento estratégico, de uma modelagem, seja ela financeira, seja o próprio design do negócio, mas sempre com uma matéria-prima que emerge do campo. Isso exige uma flexibilidade muito grande, uma capacidade analítica junto com o empreendedor. Isso viabiliza que fiquemos  próximos dos negócios. Para nós essa é uma característica importante.

E como é feita a seleção para o Programa?

O empreendedor se inscreve pelo site. Dá respostas para algumas questões simples, o que ajuda a gente a entender a posição dele na tese de impacto, o estágio em que está, o que está buscando. Semanalmente temos um pequeno comitê de análise para fazer com profundidade uma leitura das inscrições. Avaliamos o alinhamento da tese de impacto; alinhamento de estágio – se está no estágio que nós estamos buscando; e a necessidade declarada, ou seja, qual é a dor que ele está versus se a gente tem competência internalizada para ajudar de fato. Porque nós não queremos fazer contribuições marginais, queremos fazer contribuições poderosas. É verdade que dependendo do setor, dominamos mais, e nos sentimos mais confortáveis para agir com mais profundidade. Isso ajuda também a nossa análise e decisão. Consideramos ainda a sinergia com o portfólio já existente. Quando há  poder de conexão e sinergia com startups nas quais já investimos ou que estão no Programa e o processo pode ser catalisado.

Mesmo com o amadurecimento do setor, a dificuldade em superar o que é chamado de “vale da morte” continua?

Acho que a dificuldade se mantém. Ainda não há no mercado uma solução sistêmica, setorial, ampla e estruturada para superar os desafios do chamado vale da morte. Apesar do amadurecimento, os mecanismos de fortalecimento desse estágio ainda estão em construção. Eu diria que está melhor do que estava há quatro anos, mas ainda vai levar um tempo para isso ser superado.  

 Em todas as frentes? Necessidades financeiras, de gestão…

Em todas as frentes. Eu acho que existe um grande desafio no Brasil que é a qualificação desses empreendedores. Apesar de aparentemente existir uma oferta maior de capital, como os estudos vêm apontando, isso não se traduz em mais negócios e mais investimentos. Esse amadurecimento vai chegar, mas se a gente comparar necessidade versus solução, demanda versus oferta, ainda há lacunas muito significativas a serem preenchidas.


“Capital semente é um dos mais raros nesse país. Por isso fomos pioneiros em tentar o crowdequity. A nossa pergunta era – será que é verdade que aqui tem gente querendo fazer impacto, ressignificar seus investimentos? A gente viu que sim. Hoje nós somos o maior Sindicato de Impacto operando no Brasil.”


No início da área de negócios de impacto, havia muitos jovens formados em universidades no exterior, com vontade de implementar empreendimentos com propósito. Hoje já temos empreendedores da quebrada, com visão da própria realidade de inserção de negócios de impacto. Essa amplitude gera necessidades também maiores?

Na hora em que você faz uma chamada, amplia o campo, provoca incubadoras, aceleradoras, atores Brasil afora para promover essa filosofia, esse novo jeito de pensar os negócios, é natural que você gere iniciativas, demandas, fluxos e que a estrutura de oferta vá acompanhando isso. Mas as velocidades são diferentes. O amadurecimento da compreensão dos atores vai acontecendo com as evidências, com os encontros, as trocas, mas a velocidade não corresponde à necessidade. O lado positivo disso é que sim, estamos avançando. E o lado negativo é – será que não podíamos avançar de forma mais veloz e articulada? Aqui na Din4mo, quando nos deparamos com um problema para o qual não há solução no campo, criamos a solução dentro de casa. Foi assim a nossa história de desenvolvimento. Criamos o Programa Inovadores de Impacto quando entendemos que era preciso trazer um nível de conhecimento específico para o vale da morte. Aí vimos que só isso não resolvia. Era preciso trazer capital, equity. E capital semente é um dos mais raros nesse país. Por isso fomos pioneiros em tentar o crowdequity, quando fizemos a primeira operação de impacto, em 2016. Ali a nossa pergunta era – será que é verdade que aqui tem gente querendo fazer impacto, ressignificar seus investimentos, com apetite em tomar este tipo de risco? E impacto tem valor? A gente viu que sim. Hoje nós somos o maior Sindicato de Impacto operando no Brasil. Temos mais de 400 investidores que apoiam a nossa tese.

Qual foi a soma de recursos alocada via crowdequity?

De 2014 para 2015 desenvolvemos o programa para entregar conhecimento, gestão, tecnologia. De 2015 para 2016 fizemos a primeira operação para testar. E a partir de então mobilizamos  aproximadamente R$ 4 milhões de capital semente.

Foi então que surgiu a Din4mo Ventures?

A Din4mo Ventures foi criada justamente para isso; nasceu como nosso braço de capital. A Din4mo Serviços, que abriga o Programa Inovadores de Impacto, entrega a parte de consultoria. A Din4mo Ventures é a empresa que faz os investimentos nas startups que passam pelo programa. Toda operação de equity é feita pela Din4mo Ventures.

Além do crowdequity a Din4mo Ventures tem outras operações?

Centralizamos tudo via crowdequity. A Din4mo exerce o papel de liderança nas rodadas definido pela instrução normativa 588 da CVM e normalmente nosso investimento é de 20% do valor da rodada, o que é uma forma de mostrar comprometimento. Com esse percentual sinalizamos aos investidores que nos apoiam que estamos juntos. É diferente de abrir uma rodada de R$ 1 milhão e fazer uma liderança com R$ 50 mil, como costuma acontecer no mercado. Com esse percentual mostramos que estamos engajados no processo e geramos coerência, confiança e credibilidade com o que defendemos. Somos investidores da Vivenda, Mais60, Impact Hub São Paulo e Simbiose Social, entre outros.


“Com o blended finance mostramos que atores que normalmente não se conversam, muito menos fazem negócios juntos, podem estar dentro de um mesmo propósito, alavancando impacto.”


A Din4mo entregou conhecimento, gestão, estratégia, capital semente… O que mais é necessário para fazer o setor se expandir?

Percebemos que só isso não bastava. Era preciso construir soluções que pudessem originar crédito para as startups. E crédito mais robusto, mais estruturado em termos de prazo, volume, custo. O melhor exemplo é o Programa Vivenda, que vende um produto difícil para as famílias pagarem à vista. São reformas que custam em média R$ 5 mil, o que limita o universo de clientes de uma comunidade. Além disso, não corresponderia ao propósito, que é atender aos clientes mais vulneráveis, com menos recursos. Precisávamos viabilizar uma solução de financiamento para o Vivenda. Um desafio imenso porque como uma startup vai tomar crédito no Brasil? Às vezes nem uma empresa média consegue. Imagina uma startup que não tem balanço chegar nos grandes bancos. A gente batia nas portas e não conseguia estruturar nenhuma operação de crédito a contento. Qual era a opção então? Vamos operar via mercado de capitais. Foi aí que fizemos a parceria com o Grupo Gaia para estruturar uma operação de securitização. A operação que fizemos para o Vivenda, concluída em janeiro de 2018, permitiu a captação de R$ 5 milhões, via debênture. Nossa visão era a de que se conseguíssemos mostrar que funciona, estaríamos desbravando mais um pedacinho do que o empreendedor precisa, que é como originar crédito de forma saudável. Após quase 18 meses de trabalho, tudo deu certo, foi um sucesso e fomos pioneiros, junto com a Gaia em  estruturar uma operação na lógica de blended finance. Estruturas blended são estruturas financeiras focadas em financiar impacto social e ambiental, que permitem criar uma cesta de risco para diferentes perfis de investidores, viabilizando, por exemplo, que uma organização com um perfil mais filantrópico possa entrar, assim como um investidor tradicional do Itaú Private Banking, que foi o caso dessa operação. Mostramos que atores que normalmente não se conversam, muito menos fazem negócios juntos, podem estar dentro de um mesmo propósito, alavancando impacto.

Lançamento de debênture, securitização, blended finance… Tudo se encaixa?

Tudo isso é a mesma coisa, serve a um mesmo propósito. A debênture é o instrumento financeiro que viabiliza que a operação seja securitizada; e a estrutura de captação, em que foi montada essa debênture, foi realizada com um pensamento de blended finance. O conceito de blended finance permite atrair capital filantrópico, que toma risco na frente, para viabilizar uma alavancagem de impacto atraindo capital tradicional. Um exemplo: quando uma organização faz uma doação para o Vivenda realizar, por exemplo, 10 reformas, isso vai custar R$ 50 mil. Ou seja, quando você dá esse dinheiro, você consegue fazer 10 reformas. Quando você pega esse dinheiro e compra uma debênture, é possível transformar esses R$ 50 mil, pela característica do papel e do desenho da operação, em  20 vezes esse valor. Assim transformamos R$ 50 mil em R$ 1 milhão. Se tiver inadimplência, o primeiro a perder é o filantrópico, por isso ele toma risco na frente. Só que ao fazer isso, o capital tradicional que normalmente é mais avesso ao risco topa entrar, sente-se mais protegido. O grande benefício dessa história é que transformamos R$ 50 mil em R$ 1 milhão. Em vez de fazer 10 reformas, é possível fazer 250 reformas. Além disso,  quando você doa, o dinheiro não volta. Mas quando se faz um investimento dessa natureza, é possível realizar 250 reformas, beneficiando 250 famílias, e o dinheiro volta. Você traz mais sustentabilidade financeira para o seu portfólio.  Essa é a grande beleza do blended finance. Unir esses atores em prol de um propósito. Essa foi a primeira operação no Brasil. O blended finance existe há cerca de 10 anos no mundo, aplicado ao setor de negócios de impacto. Vivenda foi a primeira operação no Brasil no campo do impacto. A debênture é regulamentada pela CVM. No nosso caso, fizemos uma emissão 476 de oferta restrita. Quando finalizamos a operação, tanto nós quanto a Gaia, fomos procurados por vários atores como bancos, family offices, fundos, querendo entender mais. Deu uma repercussão muito interessante. E essa iniciativa acabou gerando uma terceira empresa, na qual Gaia e Din4mo são sócias, a joint venture InvestSocial, que é 50% Gaia, 50% Din4mo. Ela  nasceu há cinco meses para estruturar operações de crédito 100% destinadas a apoiar negócios de impacto via mercado de capitais. Estamos estruturando outras três operações via InvestSocial, logo deveremos ter novidades.

A entrega de crédito aos empreendedores de negócios de impacto é então o pilar mais recente de atuação da Din4mo?

Sim, resgatando a nossa história, de 2015 a 2016 construímos o nosso pilar de entrega de conhecimento e formação empreendedora; de 2016 para 2017 construímos o pilar para entregar equity; e em 2017 / 2018 construímos o pilar para entregar crédito. A nossa história ao longo desses anos é criar soluções que possam viabilizar de uma forma mais satisfatória o acesso desses empreendedores a serviços, produtos e capitais mais adequados, mais assertivos, mais aderentes às suas necessidades. Acho que esse é um ponto importante.

Que áreas estão na mira das operações da InvestSocial?

As áreas são as conectadas com os ODS 3, 10 e 11, mas agregando uma mais porque queremos olhar muito para impacto ambiental. Queremos aliar impacto ambiental com impacto social. Mas o mais importante na InvestSocial, até pela natureza da empresa e pela natureza do produto, é que poderemos lidar com operações maiores, na casa dos milhões de reais, não há limite. O crédito permite este tipo de estrutura, diferente do equity hoje, dado o estágio em que está o campo. O Vivenda não conseguiria absorver, por exemplo, R$ 20 milhões de equity. Mas eu consigo fazer uma operação de R$ 20 milhões, R$ 50 milhões ou R$ 100 milhões de crédito para resolver um problema habitacional.

Nesse caso vocês estão mirando empreendimentos maiores e mais consolidados?

Maiores e que têm problema de crédito. Porque crédito é um problema crônico do Brasil. Quando falamos em crédito, é preciso fazer uma leitura qualitativa. É o crédito adequado. Adequado significa no prazo adequado, na taxa adequada, com a estrutura de risco e garantias adequadas, que é o que a gente normalmente não vê. Não existe. O que existe é um crédito de curto prazo, caro, com exigências de garantias substantivas que normalmente nenhum empreendedor tem. Os empreendedores são muito mal servidos em termos de crédito produtivo, de crédito para a produção.


“Se esses atores que estão sendo pioneiros não fizerem, como resolvemos as questões sociais e ambientais? Não adianta fazer uma agenda para 2030. Por outro lado, será que fazer mais do mesmo, que nos trouxe à situação alarmante que vivemos, é sinal de que vai dar certo? Parece óbvio que não.”


A Din4mo faz um trabalho pioneiro, inovador, mas o que é possível dimensionar hoje do ponto de vista do retorno?

Ainda é cedo para avaliar. São operações de cinco anos, no mínimo. A nossa expectativa, e a de todos os investidores, é a de que aconteça algum evento de liquidez que dê a saída. Esse é um dos cenários. O outro é a gente de fato entrar no capital social e ter acesso a dividendos, se a empresa estiver crescendo de forma orgânica, gerando resultados. O terceiro cenário é dar  tudo errado e perdermos o investimento. Isso está na regra do jogo, a gente sabe que isso pode acontecer. E este é um ponto que explica a escassez de recursos, porque é uma zona de risco muito elevada. Tem que ter apetite para risco. O venture é isso, é tomar risco. Estamos completamente conscientes disso, mas eu entendo que também existe um outro ponto. Se a gente de fato quer disseminar uma cultura empreendedora no Brasil e resetar o que significa sucesso no nosso planeta e na nossa sociedade, é preciso direcionar esforços, energia, tempo e recursos para desenvolver isso. A outra pergunta é: qual é a opção? Se esses atores que estão sendo pioneiros não fizerem, como resolvemos as questões sociais e ambientais? Não adianta fazer uma agenda para 2030. De onde vem o dinheiro? Quem vai tomar o risco? Como você vai estruturar isso? Esse é o nosso ponto. Se os atores não se posicionarem e entenderem que, apesar do risco que está na mesa, é preciso fazer, ficamos sempre naquela de deixar o outro ir primeiro que eu vou depois. Aí ninguém vai. A gente entende perfeitamente que está na regra do jogo dar tudo errado. Mas com o Programa Inovadores, com o equity e com o crédito, o que estamos fazendo  é construir estruturas para fortalecer o empreendedor para que dê tudo certo. Acho que esse é o nosso papel. Pilotar isso junto com os empreendedores, apoiá-los para que as escolhas e decisões sejam o mais assertivas e aderentes possível para que o negócio dê certo e tenha retorno não só do ponto de vista de impacto, que está na centralidade da nossa tese, mas também o retorno financeiro esperado. Por outro lado, será que fazer mais do mesmo, que nos trouxe à situação alarmante que vivemos, é sinal de que vai dar certo? Parece óbvio que não.

Na sua visão, qual o papel dos intermediários no campo de negócios de impacto?

Este é um tema relevante, que está tendo uma discussão bem bacana no campo hoje. Todos os  intermediários – aceleradoras, incubadoras, consultorias, os parques tecnológicos – que fomentam, desenvolvem soluções para os empreendedores, precisam ser considerados nas políticas de investimento. Sejam públicas, privadas, filantrópicas, não importa, mas é uma discussão muito importante porque é assim que a gente fortalece o ecossistema. Fortalecendo os intermediários que conseguem fazer um bom trabalho e qualificando esse pipeline de empreendedores para que eles possam fazer o impacto de forma saudável, crescer sadiamente. E falando como intermediário, a gente está aqui por amor à causa, porque o apoio é muito árido. Porque você quer mesmo transformar o mundo, mas falta muito apoio. É sensível a melhora, mas a pergunta é – será que aquele empreendedor sobreviveria sem o intermediário? O apoio aos intermediários pode garantir um impacto mais veloz e sistêmico, uma vez que se trata de apoiar um ator que gera impacto em muitos empreendedores. Isso exige uma certa mudança cultural dos donos dos recursos de entender que impacto também se faz pelos intermediários, de forma indireta. Não é preciso estar direto no projeto. Eu acho que isso vai acontecer, vai ser mais um passo de amadurecimento, de conscientização e entendimento sobre o papel dos intermediários.


“Não temos como parar de falar sobre desigualdade, pobreza, sustentabilidade, saúde… O fato é que não temos mais como continuar do mesmo jeito. O trabalho dos atores da área de finanças sociais e negócios de impacto nunca foi tão relevante.”


O governo tem também um papel a desempenhar nessa área? 

A evolução na área governamental, em geral, tem sido mais lenta. Mas acredito que essa agenda não tem como ser desconsiderada, sejam quais forem os atores – público, privado, terceiro setor, sociedade organizada ou desorganizada. Afinal, não temos como parar de falar sobre desigualdade, pobreza, sustentabilidade, saúde… Olhando para o nosso setor, o que eu vejo é que o nosso trabalho se torna a cada dia mais relevante. Seja qual for o governo. Não importa. A agenda está acima disso. É uma agenda planetária, de uma plataforma multigoverno, perpassa muito mais do que uma eleição aqui outra ali. Se o setor público vier junto é muito bem-vindo. Mas se não vier, os outros atores não podem parar. Vamos continuar no nosso nível micro trabalhando, fazendo, viabilizando e tentando lidar com os desafios que emergem. O empreendedor social hoje já conta muito pouco com verba do governo. Talvez, dada a dramaticidade do nosso cenário de deterioração macroeconômica, de volta de indicadores terríveis, com essa crise que a gente está vivendo, o Brasil volte ao mapa dos investimentos internacionais em impacto, que haviam se reduzido nos anos de bonança, pois os financiadores privilegiaram países mais necessitados. Pode ser que outras fontes de recursos apareçam. O fato é que o trabalho dos atores da área de finanças sociais e negócios de impacto nunca foi tão relevante. Seria ótimo se pudéssemos dizer que a missão do setor de impacto seria acabar com a necessidade de negócios de impacto para a população. Seria o melhor dos mundos não precisar mais falar de impacto porque tudo está resolvido e as pessoas estão vivendo com bem estar. Nós trabalhamos para que? Para não ser necessário existir. Esse seria o driver, mas isso está muito distante de acontecer. Faltam gerações e gerações para que isso possa acontecer. Mas somos  esperançosos e persistentes.

A evolução das finanças sociais e negócios de impacto é um processo irreversível?

Essa é a visão de mundo, de país, do que se quer ser… Nós somos muito comprados na tese empreendedora. Nós somos empreendedores. A Din4mo é a minha quinta empresa. Eu já tenho 24 anos empreendendo. O Haroldo Torres a mesma coisa, está no sangue. Hoje, ao mesmo tempo em que estamos empreendendo a Din4mo como negócio, podemos compartilhar e socializar a nossa experiência com os empreendedores que temos no Programa. E a gente ama fazer isso. Esse é o nosso drive total. Para mim não é trabalho, é prazer.  Eu adoro fazer isso, curto; eu me sinto muito abençoado também porque posso trabalhar no que amo e além disso ter sustentabilidade financeira. Isso é um privilégio no nosso país hoje. E ainda mais alinhar tudo isso a um propósito no qual você acredita. Tem três palavras que a gente usa muito aqui em termos de definição da nossa identidade: integridade, coerência e consistência. Tem que ter integridade com o que a gente acredita; tem que ser coerente com o que a gente acredita e tem que ser consistente na entrega em termos de quantidade e qualidade para que isso aterrisse no campo e se transforme em algo verdadeiro, não fique no campo das ideias. Estes três elementos têm que estar o tempo todo iluminados para que possamos tomar decisões e fazer escolhas assertivas. É um caminho desafiador.

O fato é que não temos mais como continuar do mesmo jeito. Ao fim, a pergunta central é: com o que você se importa? Todos os indicadores que mostram a sustentabilidade dos ecossistemas, sejam ambientais ou sociais, apontam que não dá mais para continuar no modelo que estamos hoje. Vivemos um mundo de muitos atores de avestruz, dentro de uma lógica individualista de que “o problema não é meu”. Somos ágeis em apontar culpados ou responsáveis e muito lentos em fazer-nos responsáveis e protagonistas da mudança. Infelizmente o ser humano tem um pouco isso, de mudar comportamento apenas pela dor. O ponto aqui é como a gente pode ser preventivo, proativo e assertivo na melhor das intenções e da melhor forma possível. Eu sei que eu não vou mudar o mundo, mas se eu mudar o meu microcosmos, quem sabe isso não contagia, reverbera, inspira, dá coragem para outros virem. As pessoas estão enxergando isso. As novas gerações estão muito mais reflexivas sobre o que é sucesso, já claramente demonstram que “olha, não vou trabalhar só para ganhar dinheiro, não é isso que me move”. Estão buscando propósito. Quando você vê uma crise de significado, já há uma busca muito interessante. Acho que isso é irreversível. Se vai ser no tempo necessário, na velocidade necessária, não sei. Mas acho que é uma tendência irreversível.