Cultura de Avaliação: caminho para um investimento social mais transformador

Mais de 180 participantes lotaram a sala onde aconteceu o painel “Avaliação no ISP: O que os investidores sociais querem, podem e devem fazer?”, no dia 4 de abril, parte da programação aberta do primeiro dia do X Congresso GIFE (São Paulo/SP).

Tanto interesse não foi por acaso: as métricas e sistemas de avaliação do impacto social são um desafio constante para gestores e equipes das organizações que coordenam o investimento social, das organizações parceiras responsáveis pela concepção e implementação de projetos, para representantes de mantenedores e conselhos, entidades públicas parceiras e até para os próprios especialistas em avaliação.

Mônica Pinto, gerente de desenvolvimento Institucional na Fundação Roberto Marinho, moderou o painel que contou com participação de Ana Lúcia Lima ( Conhecimento Social), Marcelo Mosaner (Fundação Avina), Alan Meguerditchian (Instituto Unibanco), Octavio Augusto de Barros (Simbiose Social) e Claudio Anjos (Fundação Iochpe).

A utilização estratégica da avaliação com o objetivo de produzir impacto social, a necessidade de tornar mais transparente o diálogo entre avaliadores e entidades avaliadas, os resultados apurados pelo IPS (Índice de Progresso Social) e outras experiências movimentaram o debate.

Em sua apresentação, Ana Lúcia Lima, diretora da Rede Conhecimento Social, discorreu sobre o Ciclo de Encontros de Avaliação, desenvolvido pelo GIFE no período 2016-2017, que teve por objetivo identificar produtos capazes de converterem avaliação em tomada de decisão, provocarem o envolvimento de parceiros e a discussão de questões mais amplas.

“A agenda já está incorporada. O Censo do GIFE apontou que apenas 1% das organizações não monitora os seus programas e 73% dos investidores sociais têm orçamento alocado para avaliação. Essas práticas, porém, precisam ser fortalecidas. Quando perguntamos para as instituições sobre a eficácia dos trabalhos de avaliação, sobraram queixas: alto custo do processo, excessivo comprometimento de tempo da equipe, baixa relevância e utilidade dos resultados obtidos nas avaliações”, comenta Ana Lúcia.

Os encontros superaram as expectativas dos representantes de mais de 80 organizações participantes. “Sabemos que, na melhor das hipóteses, o ciclo atendeu 50% das expectativas. As outras questões apresentaram avaliação pouco significativa. É preciso primeiro reconhecer e valorizar a enorme diversidade que existe na rede do GIFE. O Censo mostrou que as organizações têm perfis muito diferentes, seja pelo volume de investimentos, tipo, estratégia ou área temática de atuação. Procuramos montar uma discussão que fosse sensível a essa diversidade, que apoiasse os gestores na sua tomada de decisão. Mais do que realizar encontros técnicos e falar de metodologias, o lance era entender o que os angustia, aflige e impulsiona na hora de usar a avaliação para decidir a continuidade de um programa ou investimento. O objetivo era também procurar fortalecer os três personagens dessa articulação: o próprio gestor do investimento, o nosso parceiro que acolhe ou implementa uma iniciativa das organizações e os especialistas em avaliação. Eles falam línguas diferentes e não se entendem. Isso explica, em parte, a nossa frustação no final do processo”, afirma a consultora.

“Estamos programando um novo ciclo com mais encontros, debates e atividades. Vamos agora abordar a avaliação como uma etapa anterior à implementação de um programa e não posterior. Ela tem que trazer elementos úteis a todo o processo e atender a esse conjunto de desafios. Quando olhamos para o monitoramento e para a avaliação com olhar de estratégia, esse processo deixa de ser custo e passa a ser um investimento. Deve servir para aprimorar programas, mobilizar, engajar e ampliar parcerias. É este salto que precisa ser dado para que a avaliação deixe de ser um problema”, explica Ana Lúcia Lima.

Sistema de metodologias

Marcelo Mosaner, Fundação Avina, falou sobre as possibilidades do Índice de Progresso Social (IPS), sistema de metodologias desenhado para medir diretamente o bem-estar social de determinado território ou conjunto de territórios e que, por isso, pode ser customizado. Agrega indicadores sociais e ambientais que capturam três dimensões do progresso social: as Necessidades Humanas Básicas, os Fundamentos de Bem-Estar e as Oportunidades. Mede o progresso social utilizando estritamente indicadores de resultados, e não o esforço que um país realiza para alcançá-los.

No Brasil, a primeira iniciativa de uso do IPS ocorreu na Amazônia. O Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) optou pelo sistema para ter um diagnóstico mais profundo da situação social da Amazônia. O IPS Amazônia utiliza o mesmo método estatístico do IPS global e responde as mesmas questões-chave, mas adota 43 indicadores públicos recentes e relevantes às especificidades dos municípios da Amazônia, que refletem a realidade social do território. Entre eles, por exemplo, indicadores da incidência de malária e desmatamento. No caso da Amazônia, foram avaliados os 9 estados e 772 municípios da região.

A avaliação foi lançada em agosto de 2014 e foi a base do Plano Plurianual do Estado do Pará. A cidade do Rio de Janeiro também adotou o IPS por região administrativa, o que permitiu uma análise detalhada sobre o desenvolvimento socioambiental do município e auxiliar na coordenação e priorização de temas para iniciativas desenvolvidas pelo governo municipal, empresas, fundações, institutos e ONGs.

Jovem de Futuro

Alan Meguerditchian, do Instituto Unibanco, apresentou o projeto Jovem de Futuro, tecnologia educacional criada em 2007, desenvolvida e testada para estimular o aprimoramento contínuo da gestão escolar e melhorar os resultados de aprendizagem dos estudantes de escolas públicas de Ensino Médio.

“O Jovem do Futuro vai às escolas e utiliza processos avaliativos para acompanhar o projeto idealizado e analisar os resultados. Adaptamos um

PDCA, atrelado aos ciclos da escola e usamos estratégias para desenvolver competências individuais dos gestores e a capacidade da rede. Avaliamos o projeto desde o início, medindo o impacto sobre o aprendizado dos estudantes em português e matemática.”, explica Alan.

PDCA é um método utilizado dentro da Gestão da Qualidade para organização dos processos de uma empresa. A sigla PDCA significa Plan, Do, Check, Action, respectivamente, Planejar, Fazer, Checar e Agir.

Além de medir a melhoria da gestão das escolas, a preocupação do Instituto é saber como o pacto pode ser mantido e o programa evoluir. “Para isso, desenvolvemos um sistema de monitoramento atrelado à nossa Teoria de Mudança, que é um conjunto de hipóteses extraídas da literatura e da nossa experiência que se desdobra no encadeamento dos resultados que queremos gerar. Nós monitoramos as ações e os resultados e rodamos esse conjunto de indicadores com os gestores da rede”, afirma Alan.

[I3C]

A Simbiose Social é uma startup criada para fazer a gestão dos recursos incentivados e gerar transformação social. Para Octavio Augusto de Barros, essa é uma área subutilizada em termos de avaliação. “Temos muito dados disponíveis relacionados à lei de incentivo fiscal. São abertos e excelentes para se verificar a forma como acontece o investimento cultural e social. Mas não estão presentes em avaliações feitas”, diz Octavio.

A Simbiose montou um banco de dados que reúne mais de 180.000 projetos aprovados em Leis de Incentivo desde 1991. “Padronizamos todos os dados para serem usados de forma otimizada. Temos na nossa base de dados. A nossa proposta agora é desenvolver um índice em conjunto com a FGV”, afirma.

O cenário é caracterizado pelo distanciamento entre o investidor e quem recebe os aportes. Eles não conversam e o resultado desse impasse são dados alarmantes: 71% das verbas de projetos aprovadas não serão levantadas. “Resta a pergunta: por que o dinheiro não entra nesses projetos? Verificamos também que 50% dos recursos liberados não são direcionados. Há uma grande ineficiência desse mercado. Em tese o governo passa a sua responsabilidade para o setor privado tomar uma decisão mais eficiente, mas isso não acontece. Muitos investidores têm um viés muito mais de marketing do que do impacto social. E há uma concentração no eixo Rio-SP. A lei determina a democratização dos recursos, mas poucos projetos conseguem captar – 29% em todos os níveis”, explica Octavio.

Para solucionar esse impasse, a Simbiose desenvolveu o Sistema de Busca Ativa, que permite ao investidor ou a empresa mapear os projetos que têm mais a ver com a sua estratégia. O sistema qualifica a decisão e fornece informação para o interessado calcular o impacto possível. O mesmo sistema vale para o lado dos projetos e iniciativas sociais. Eles conseguem identificar as empresas com maior potencial de investimento, permitindo um alinhamento estratégico.

“Essa primeira tentativa, contudo, não é suficiente porque não mexe na lógica do mercado. Precisávamos de um sistema de monitoramento para avaliar o que está acontecendo no mercado e inspirar as empresas a usar esses recursos como boas práticas. É o Índice Incentivado em Cultura, que a gente chama de [I3C], que permite sair da lógica do marketing e caminhar para a lógica do investimento cultural e social”, conclui Octavio.

Como medir o ROI

Claudio Anjos, diretor executivo da Fundação Iochpe, compartilhou exemplos concretos de sua atuação no campo social e a experiência do Programa Formare, focado na qualificação profissional de jovens em situação de vulnerabilidade financeira, dentro de empresas parceiras. “A avaliação do custo-benefício do projeto de formação profissional de jovens de baixa renda indica retorno econômico-financeiro positivo para empresas. É o que mostra o estudo “Retorno econômico de projetos de sustentabilidade: redefinindo o valor dos investimentos de multinacionais no Brasil”, produzido pela FGV Projetos e Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ). As empresas obtêm retorno financeiro registrado em balanço com a implementação do Formare.”, afirma Claudo.

A ferramenta que mede o retorno econômico-financeiro sobre o investimento social (ROI), feito por empresas no Programa Formare, foi desenvolvido pela Fundação Iochpe e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces). A partir do lançamento de dados e do cruzamento de informações em uma simples planilha de Excel é possível calcular o custo-benefício da implementação do Formare em cada uma das unidades de negócio das companhias.

Parceira da Fundação Iochpe no Programa Formare, a fábrica da Siemens em Jundiaí (SP) calculou o retorno sobre o investimento e registrou aumento de receitas. Na planta da L’Oréal na capital paulista e na unidade de Valinhos da indústria Eaton, o Formare permitiu redução de custos graças à adoção de melhores práticas na linha de produção.

Para calcular o ROI e realizar a análise econômico-financeira de seus projetos sociais, as empresas podem adotar o modelo de análise financeira estática, que verifica os impactos do projeto sobre o demonstrativo de resultado do exercício (DRE), usado para comparar ganhos ou perdas em margens operacionais. “Ao colocar a ferramenta em prática e fazer o cálculo do custo-benefício é necessário estabelecer dois cenários: com ou sem a implementação do projeto. Também é necessário verificar se houve ganhos ou perdas de margens operacionais no exercício analisado em cada um dos cenários e definir em qual cenário houve maior ganho (ou menor perda)”, explica Claudio.

Outro aspecto importante no cálculo do custo-benefício do Programa Formare é avaliar os investimentos e gastos operacionais associados ao projeto (custos de infraestrutura e materiais, número de funcionários envolvidos no projeto e tempo gasto por eles na atividade voluntária) e os benefícios gerados e os respectivos custos evitados (economia com processo seletivo, capacitação e contratação de novos colaboradores, iniciativa dos alunos para melhorar processos). O que aconteceria caso o projeto não fosse adotado? O projeto gera aumento de receitas ou reduz despesas? Os custos reais e projetados são subtraídos dos benefícios apontados. O resultado é o retorno econômico-financeiro do Programa Formare.

Balanço

A avaliação é, portanto, a investigação sistemática sobre como e com que efeitos as intervenções que pretendem mudar o mundo estão de fato avançando como pretendido. Incorporar a avaliação como uma função central das lideranças do terceiro setor é fundamental para uma gestão estratégica e coordenada que possa efetivamente levar a transformações democráticas e sustentáveis.