Novos instrumentos financeiros ampliam investimentos em negócios de impacto

Entre as novidades estão o blended finance e a debênture de impacto social (Social Impact Bond, SIB), lançada de forma pioneira pela Din4mo e Grupo Gaia

A cada dia surgem mais instrumentos financeiros para ampliar o acesso de empreendedores de impacto social ao capital necessário para deslanchar os seus negócios. Fundos de investimento, plataformas coletivas, equitycrowdfunding e blended capital estão entre as opções que garantem avanços na democratização do acesso ao capital, oferecendo recursos capazes de ampliar soluções que resolvem problemas da população de baixa renda.

O debate sobre novas formas de acessar capital e as diferentes frentes abertas para investidores – profissionais ou não – que queiram colocar recursos em negócios de impacto, teve espaço na agenda do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, realizado em São Paulo (SP), em junho. Com mediação de Maria Rita Spina, da Anjos do Brasil, o painel Instrumentos financeiros para ampliar investimentos reuniu representantes de organizações com perfis e atuações bem diferentes: Vox Capital, Din4mo, Firgun e Kria (antiga Broota).

“A boa notícia é que, a cada dia, estão surgindo novas formas de acesso a capital. Reunimos nesse painel quatro modelos diferentes, que movimentam valores que vão de R$ 25 a R$ 1 milhão e estão alinhados ao conceito de negócio de impacto. Quem quer investir pode contar com essa diversidade de formatos”, ponderou Maria Rita.

Fundos de venture capital

Com nove anos de atuação, a Vox Capital opera fundos de venture capital e investe no começo da vida das startups. Esses fundos são líquidos, com prazos de 10 anos, destinados ao investimento em equity e que contam com um grupo de investidores restrito.

Para Natalia Aguiar, da Vox Capital, é importante que o acesso a esse tipo de investimento seja democratizado. “Todo mundo tem algum dinheiro no banco, mas não sabe onde está sendo investido. Por que não exigir que essa aplicação siga a ética e os valores de cada um? A Vox quer promover esse olhar, incentivar que o investimento seja realizado com propósito. Oferecer os mesmos produtos de investimento que um banco tradicional, mas abrir novas possibilidades para o investidor”, provocou Natália.

Para Maria Rita, boa parte dos consumidores já desenvolveu uma atitude consciente em relação aos produtos que consome. “Procura produtos orgânicos, incentiva o comércio local, mas não está ligado da mesma forma ao mercado financeiro. Não sabe o destino do dinheiro colocado em fundos de investimento. É uma questão de maturidade começar a saber em que o nosso dinheiro está ajudando”, afirmou Maria Rita.

Investimentos coletivos

Na linha da democratização do acesso ao capital, a Firgun desenvolveu uma plataforma de investimentos coletivos para oferecer a oportunidade de investir em negócios conduzidos por empreendedores de baixa renda. “O time analisa os negócios e seleciona os empreendedores que estão na periferia, em situação de vulnerabilidade, para receberem o empréstimo. Contamos a história deles na plataforma e o que eles pretendem fazer com o dinheiro. Qualquer pessoa pode acessar a plataforma, escolher a campanha e investir em um negócio a partir de R$ 25, por meio de crowdfunding. Pela plataforma mesmo, o empreendedor recebe mensalmente os boletos para pagar o seu empréstimo e o investidor pode acompanhar. Quando recebe o valor, o empreendedor pode sacar para investir ou reinvestir em outra campanha”, explica Lemuel Simis, co-fundador da Firgun.

Em seis meses de operação, a Firgun arrecadou R$ 45 mil com a mobilização de 120 investidores e investiu em cinco projetos de impacto. “Esses empreendedores estão à margem do sistema financeiro e, por meio de uma ferramenta digital, acessam um novo futuro. É o caso da Maria da Conceição Pimentel, costureira do Capão Redondo, bairro da região sul de São Paulo, que quitou seu empréstimo com três meses de antecedência. Em duas semanas, ela levantou R$ 4 mil para fazer uma reforma em seu espaço de trabalho, que também é sua casa. Com esse dinheiro ela comprou os materiais para a reforma no bairro, ajudando a movimentar a economia local, contratou um pedreiro e um ajudante, dando oportunidades de trabalho. Ganhou mais 100 metros quadrados, colocou mais uma mesa de corte e novas máquinas. Com isso, dobrou a capacidade produtiva da empresa e criou novos produtos para o seu portfólio. Nos finais de semana, dá aulas de corte e costura. É incrível o que ela fez com R$ 4 mil”, contou Lemuel.

Esse caso mostra como é importante oferecer oportunidades. “Não somos um banco, somos facilitadores. Não se trata de doações, mas empréstimos. Oferecemos uma alternativa de crédito para empreendedores e uma oportunidade para empoderar novos investidores”, afirmou Lemuel. Maria Rita complementou que, provavelmente esses negócios não são escaláveis, mas transformaram uma vida. “Com a ajuda da tecnologia, novas ferramentas estão democratizando o acesso ao capital”, disse.

Blended finance

Marco Gorini, da Din4mo, apresentou a unidade de Blended Finance da empresa, lançada em janeiro, uma ferramenta baseada em um conceito novo, capaz de mitigar o risco dos capitais tradicionais diante da inovação.

Baseada nas experiências e desafios da empresa no campo de negócios de impacto, a solução blended finance desenvolvida pela Din4mo viabiliza tanto operações de equity quanto de crédito e envolve estratégias de captação através de mecanismos distribuídos como o crowdequity, crowdlending, estruturação de operações de antecipação de recebíveis originados por startups de impacto e os chamados Social Impact Bonds (SIBs).

“A ferramenta estabeleceu pontes entre os negócios de impacto que precisam de capital de giro e têm dificuldade de acessar linhas de crédito; os investidores que querem colocar o capital a serviço do campo de negócios de impacto, mas não sabem como; e os gestores tradicionais que têm um certo receio pela inovação”, explica Marco.

Em parceria com o Grupo Gaia, especialista em securitização, a Din4mo também viabilizou o surgimento da primeira debênture de impacto social no Brasil, solução que abriu o caminho para unir os negócios de impacto social ao mercado de capitais.

Emitida pela Gaia Cred II, empresa do Grupo Gaia, a primeira debênture de impacto social foi criada para dar apoio ao programa da Vivenda, negócio de impacto social que tem como propósito reformar moradias localizadas em regiões de baixa renda e fazer com que as pessoas possam morar bem e viver melhor.

“Começamos com uma base de R$ 2 milhões, só com Investimento Social Privado (ISP). Convidamos nosso parceiro Itaú para oferecer aos clientes Private. Ao todo, foram captados R$ 5 milhões para o protótipo, que foi estendido para 10 anos. Assim, à medida que as famílias comecem a pagar seus empréstimos, o dinheiro vai servir para financiar outras reformas. Além de impactar cerca de 32.000 pessoas em cinco anos e gerar um volume de R$ 40 milhões em renda local, o dinheiro volta. É uma estrutura muito poderosa que consegue mobilizar capital de forma inteligente”, afirma Marco.

Equity crowdfunding

Primeira plataforma de crowdfunding de investimento no País, o Kria (antigo Broota) lançou 55 negócios em quatro anos e levantou quase R$ 20 milhões. Envolveu mais de 1.200 investidores, em sua maioria pessoas físicas, 90% homens e 10% mulheres, com tíquetes de investimento, em média, de R$ 8 mil, mas com aportes mínimos de R$ 500.

“Nossa visão é o valor do impacto dos negócios sociais e acreditamos que as startups têm uma contribuição muito importante para a nossa sociedade. O nosso papel foi que não apenas mais capital chegasse a essas empresas, mas principalmente que mais pessoas participassem dessa economia e desse movimento”, comenta Frederico Rizzo, CEO da Kria.

Com a aprovação da regulação do crowdfunding de investimento na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), processo concluído em julho de 2017, a captação de recursos por internet ficou mais fácil para as empresas. Boa parte é em equity, mas a legislação permite também operações de dívidas futuras conversíveis em participação acionária, bem como outros modelos de financiamento, captações de até R$ 5 milhões por ano.

Para Rizzo, além de facilitar para que mais pessoas invistam em startups, em empreendedores e empreendedoras, outros desafios precisam ser enfrentados: como escalar a entrada de capitais, como atrair mais capital e mais pessoas interessadas em investir em novos negócios e como gerar boas experiências após o investimento.

“A vantagem é que a regulação que operamos não exige a figura de um custodiante, uma figura externa que oneraria o processo. Mas, a partir do momento que temos 50 – 60 startups e milhares de investidores, o risco de perder o controle é alto. Por isso, resolvemos cuidar do que chamamos de infraestrutura de inovação. Deixamos de atuar exclusivamente no nosso canal e criamos uma plataforma para disponibilizar a captação e a autorização de operação a parceiros como a Vox, grupos de investidores-anjo e empresas. Oferecemos a tecnologia para permitir escalar esses investimentos e para que a saída dos investidores, a liquidez, seja muito mais fácil. Estou otimista que, em breve, teremos um mercado secundário para pequenas empresas”, explica Rizzo.

Na avaliação de Maria Rita, todos os palestrantes começaram como empreendedores sociais, enfrentaram os desafios, não estão conformados com o que fazem e continuam a pesquisar novas possibilidades. “No Brasil, quando ouvimos falar de crédito ou de dívida, todos se assustam. Nenhum empreendedor e nenhum investidor quer enfrentar riscos. E os modelos apresentados aqui, mostram que estamos transformando a maneira como se faz negócios e investimentos”, concluiu Maria Rita.

 

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