Aceleradora NIP potencializa negócios da quebrada

Periferia em Movimento, Bora Lá, Nutrir-Si, Bio Afetiva e Gastronomia Periférica foram os negócios selecionados para a segunda edição do programa da aceleradora NIP (foto: A Banca)

Dez anos se passaram desde que A Banca se posicionou como um negócio de impacto social da quebrada, capitaneada por Marcelo Rocha, o DJ Bola. Ao promover o debate sobre negócios de impacto na periferia, a produtora cultural se tornou referência nacional em empreendedorismo no Brasil. E com a aceleradora NIP (ANIP), novos negócios são potencializados para a solução de problemas sociais e ambientais da periferia e do Brasil. Periferia em Movimento, Bora Lá, Nutrir-Si, Bio Afetiva e Gastronomia Periférica foram os negócios selecionados para a segunda edição do programa de aceleração.

“Nós só estamos aqui hoje por causa de um toca-discos. Este aparelho é um símbolo de onde conseguimos chegar, saindo de uma realidade dura, imposta com poucas perspectivas de vida e com pouco acesso a coisas que poderiam agregar algum valor para nossa história. A música e a cultura hip hop foram o alicerce pra gente conseguir desbravar para além do nosso quarteirão. Todo mundo conhece o DJ Bola, mas acho que ninguém aqui me viu tocar. Então hoje eu gostaria de começar esse evento mostrando o que me move, o meu refúgio, a minha arma, a minha armadura. Embarquem comigo nessa viagem…”

E sobrou emoção nessa viagem… O som do Hip Hop invadiu a sala Centro de Direitos Humanos do Campo Limpo e deu a partida para o evento de encerramento da 2ª Turma da Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP), com uma programação especial: apresentação de pitchs dos cinco negócios acelerados durante o segundo semestre do ano, entrega dos certificados e os próximos passos do programa em 2019.

DJ Bola: “A Banca surgiu para sobreviver à realidade da violência. O Hip Hop é uma tecnologia social que vem dessa base”

“Quando A Banca se posicionou como um negócio social na quebrada foi algo muito novo. Dez anos se passaram e agora a quebrada já se vê como uma potência de desenvolvimento de negócios a partir do que ama fazer. Ações que acontecem na quebrada estão impactando indiretamente em toda a cidade”, constata Marcelo Rocha, mais conhecido como DJ Bola, que abriu o evento.


Ao promover o debate sobre negócios de impacto na periferia, a produtora cultural se tornou referência nacional em empreendedorismo no Brasil.


A Banca foi formada em 2000 como um movimento juvenil e se institucionalizou em 2008 com o objetivo de realizar eventos e de desenvolver a música e a cultura Hip Hop como ferramentas de inclusão cultural, social e econômica dos moradores de comunidades e de jovens em situação de vulnerabilidade social. Tudo aconteceu no Jardim Ângela, distrito da Zona Sul paulistana, que já foi considerado pela ONU, em 1996, o bairro mais perigoso do mundo. Hoje é conhecido pela diversidade cultural.

Ao promover o debate sobre negócios de impacto na periferia, a produtora cultural se tornou referência nacional em empreendedorismo no Brasil. Com a Artemisia, o conceito de negócios sociais ganhou força e outros parceiros embarcaram na ideia, como o FGV/Cenn (Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), Fundação Via Varejo, Fundação Telefônica, Mov Investimento, Fundação ARYMAX, Fundação Vedacit, Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e Fundação Lemann.

“A Banca surgiu para sobreviver à realidade da violência. O Hip Hop é uma tecnologia social que vem dessa base. Há 15 anos, conseguimos virar a chave e aprendemos a colocar preço nos nossos produtos. O que importa é ser o protagonista na quebrada e saber articular. Não depender somente de filantropia, doação ou boa vontade”, explica DJ Bola. Em maio de 2017, A Banca promoveu o 1º Fórum NIP – Negócios Periféricos, no salão da Paróquia Santos Mártires, no Jardim Ângela, com mais 20 palestrantes convidados.

 Base da pirâmide

Além da Artemisia, a trajetória de A Banca contou com o apoio institucional do Instituto Sou da Paz e de aceleradoras como Quintessa, NESsT e Instituto Papel Solidário. Com o programa NIP, a organização começou a fomentar projetos, ongs, coletivos e negócios de periferia com o objetivo de gerar impacto financeiro, social e ambiental positivo na base da pirâmide. Nas duas edições realizadas, os negócios selecionados participaram de um ciclo de quatro meses do programa de aceleração NIP e receberam, cada um, R$ 20 mil de capital semente para investir na empresa.

Periferia em Movimento, Bora Lá, Nutrir-Si, Bio Afetiva e Gastronomia Periférica foram os negócios selecionados para a segunda edição do programa de aceleração e que apresentaram seus pitchs no evento realizado no dia 4 de dezembro. Eles se juntaram aos NIPs da primeira turma: Boutique de Krioula, Empreende Aí, Jovens Hackers, Ecoativa e Editora Selo Povo. Antes de passarem pelo processo de aceleração, todos já existiam, vendiam serviços e criavam seus produtos. “A aceleradora NIP potencializou esses negócios que, de alguma forma, estão desbravando as condições a que estão submetidos e pensando em formas de inovar”, explica Bola, um ex-motoboy que encontrou no toca-discos motivação para “cruzar a ponte”.

Atividades para a juventude

A Banca é um movimento aberto à participação da periferia, com a realização de vivências de cultura urbana, oficinas de hip hop em escolas, produção de conteúdo sobre empreendedorismo para o YouTube. Mantém um estúdio para músicos independentes e produz eventos mensais como a Arena da Arenga, que traz uma variedade de atividades para a juventude, como apresentação musical de bandas independentes, “batalha” de MCs e venda de produtos de empreendedores. Já o evento anual de Hip Hop, projeto Praça Polos da Paz, tem como objetivo ocupar e valorizar o espaço público trazendo a comunidade local para que ela se sinta protagonista de ocupação.

“A ANIP é A Banca, não é um programa separado da Banca, como o trabalho com a música também é A Banca. Essa é a nossa essência. Lutamos todos os dias para viver do nosso sonho porque acreditamos no que estamos fazendo. A ANIP nasceu de uma motivação de dor. Ninguém da quebrada era protagonista do processo de desenvolvimento de um negócio de impacto por não ter acesso a recursos ou por falta conexão, metodologia e networking. Nós éramos vistos como cliente, usuário ou beneficiário. Há muita potência na periferia, muito a ser descoberto e conectado. A gente acredita que as pontes da cidade servem para unir, para conseguir ir para os dois lados, mão dupla para levar e receber”, comenta Bola.


“A grande magia do que está acontecendo hoje se chama conexão, troca, aproveitar o que o outro tem de melhor para pensar no próximo”(DJ Bola)


Desenvolver um programa para apoiar negócios que são da periferia e que estão na periferia foi o resultado de motivações e conexões. “Não tínhamos a pretensão de que metodologias internacionais ou teorias de grandes pensadores fossem ser um divisor de águas na vida desses empreendedores, mas sim a intenção de provocá-los a olhar para si e desenvolver o seu melhor, potencializando os seus negócios. Os negócios da quebrada nascem com a intenção de fazer algo positivo para alguém. Isso é genuíno. O grande desafio é trazer mais pessoas do lado de lá da ponte para fortalecer essas conexões. Não conseguiríamos fazer essa aceleradora sozinhos. A grande magia do que está acontecendo hoje se chama conexão, troca, aproveitar o que o outro tem de melhor para pensar no próximo”, afirma Bola.

Aprendizado

“O NIP foi uma das melhores coisas que nos aconteceram esse ano. Foi um exercício maravilhoso de aprendizado não apenas sobre negócios de impacto, mas também sobre sociedade, protagonismo e colaboração”, afirmou Vivianne Naigeborin, da Potencia Ventures, na abertura do evento. O professor Edgard Barki, do FGV/Cenn, compartilhou com os presentes a alegria de participar do NIP. “Esse é um programa que nós gostamos muito de fazer. Tem sido muito gratificante acompanhar o desenvolvimento desses empreendedores, ajudá-los a com conhecimento para que eles cresçam. No futuro, não falaremos mais de empreendedorismo da periferia, mas de empreendedorismo.”

Fabiana Ivo, coordenadora pedagógica da Banca, entregou os certificados para os empreendedores da segunda turma da ANIP e destacou a importância de cada um por terem aceitado o desafio de empreender na quebrada. “O ecossistema não é tranquilo para quem é da quebrada. Não é fácil a compreensão desse lugar. Empreender é um desafio diário, assim como correr atrás dos nossos sonhos. Não é fácil para as mulheres atravessarem a ponte e acreditarem nos seus potenciais e não é fácil para os homens deixarem suas funções de mercado e abandonarem o sonho de uma carteira profissional assinada para empreender. Na quebrada, aprende-se cedo que uma carteira assinada na mão faz de você um cidadão. Essa é uma ideologia que ficou para trás”, afirmou Fabiana.

Os certificados foram entregues para:

  • Aline Rodrigues e Thiago Borges, da Periferia em Movimento (blog / desenvolvimento de conteúdos e pesquisa a partir da periferia);
  • Ju Dias, Bora Lá – (Agência de Comunicação e Marketing Popular);
  • Simone Mendes, Nutrir-SI (consultoria nutricional e produção de comida saudável para a periferia);
  • Jesuana Prado, Bio Afetiva (cosméticos naturais);
  • Edson Leitte e Adélia Rodrigues (Gastronomia Periférica – escola de gastronomia / Rango comida para eventos).

Próximos passos

O debate sobre empreendedorismo na periferia continua em 2019 com a realização de encontros com pessoas de dentro e de fora da quebrada. O objetivo é disseminar a pauta de negócios de impacto. Também está programada a realização do segundo Fórum.


“A periferia é hoje o centro da inovação e merece a chance de errar para aprender com o erro.” (DJ Bola)


A partir de feedbacks das duas turmas de NIPs, o programa da aceleradora sofre alterações. Ao invés de quatro meses de aceleração, serão agora oito, o que dará mais tempo para os empreendedores assimilarem os conteúdos e treinamentos. “Além de encontros presenciais e online programados, faremos um acompanhamento individual de cada negócio.  A nova seleção será anunciada em março. Outra novidade é que o programa será aberto para a cidade de São Paulo. Existem muitas organizações que apoiam os empreendedores na fase de ideação. Com a ANIP, eles terão a oportunidade de participar de um processo de desenvolvimento mais intensivo que potencializará o impacto”, explicou Bola.

Bola torce para que outros movimentos como a ANIP aconteçam na cidade porque a periferia não mostrou nem 1% do seu potencial. “A periferia é hoje o centro da inovação e merece a chance de errar para aprender com o erro.”