Por que os negócios de impacto social são fundamentais para o Brasil?

Por Marcelo Bárcia*

 O conceito de Negócios de Impacto Social, Sistema B ou Empresas 2.5 vem passando por um processo de crescente disseminação e consolidação nos ecossistemas empreendedores em todo o mundo. Esse processo se acentuou quando o renomado professor Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006, criador do antológico “Banco do Povo”, em Bangladesh, percebeu há pouco mais de uma década que os principais problemas sociais e demandas das populações mais carentes do planeta não poderiam ser resolvidos apenas por meio de políticas públicas, da atuação do terceiro setor ou da filantropia tradicional.

Mesmo considerando a relevância destas iniciativas – incluindo o engajamento de milhões de pessoas com intuito genuíno de acabar com a pobreza no mundo, envolvendo doação de tempo e recursos para distribuição de alimento, cuidados com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, fim do trabalho escravo e questões ambientais, entre outros problemas –, não serão nunca suficientes para trazer alívio nestas questões, que podem alcançar níveis trágicos para pessoas em diversos países no mundo.

Ao que tudo indica, Yunus percebe que, apesar de válida e potencialmente bem-intencionada, esta perspectiva sempre esbarrará em questões geopolíticas e inúmeras variáveis incontroláveis. A bem-sucedida experiência do microcrédito, por meio da criação do Banco do Povo, em Bangladesh, nos anos 1970, parece que influenciou Yunus a pensar num novo paradigma de geração de renda e trabalho, que reunisse a perspectiva voluntariosa do terceiro setor com a livre iniciativa que caracteriza o empreendedorismo.

1- REFERÊNCIAS HISTÓRICAS IMPORTANTES

Desde a lógica fordista de criação de projetos de empreendimento, que prevalece desde o final do século 19 até o momento, a base de todos os negócios surge, via de regra, da identificação de demandas, expectativas, ou “dores”, como é o termo mais usado no ambiente das startups, de um nicho de potenciais clientes, sejam soluções básicas para situações simples ou bens do mercado de luxo, que alcançam um restrito grupo em todas as sociedades, em que as principais razões de compra estão ligadas a status e satisfação pessoal.

Com a diminuição do Estado de Bem-Estar (Welfare State) e decadência dos regimes socialistas a partir dos anos 1980 e 1990, uma lacuna fica aberta e foi progressivamente ocupada, em grande parte, pelas organizações não-governamentais, que embora de natureza privada têm em essência uma finalidade pública.

Mesmo considerando a contribuição destas organizações para diminuição de problemas sociais contundes em todos os continentes, como a pobreza, fome, saúde e preservação ambiental, a essência do terceiro setor, entidades assistencialistas e pessoas de alto poder aquisitivo, parece sempre ter a mesma perspectiva: distribuição de recursos e conscientização.

A nobreza destas iniciativas merece todo o respeito e admiração, uma vez que continuam sendo imprescindíveis para a diminuição das demandas sociais que persistem em todo o mundo. No entanto, o esgotamento deste modelo parece ser cada vez mais visível para todos os atores políticos, sociais e econômicos.

2- A DEFINIÇÃO EMPREENDEDORISMO SOCIAL

A visão de Yunus sobre o potencial dos Negócios de Impacto Social foi replicada e cresce em todo mundo. Usando uma definição do InovAtiva “Negócios de Impacto Social são empreendimentos que intencionalmente almejam objetivos sociais específicos juntamente com o retorno financeiro”, observamos que ela compreende um modelo que alia retorno financeiro com impactos positivos para seu público-alvo, saindo da esfera comum dos compromissos tradicionalmente contemplados na evolução da história da livre iniciativa, como geração de empregos e pagamento de tributos.

O próprio Yunus definiu alguns princípios que devem ser contemplados no caso de Negócios de Impacto Social, como: ser financeira e economicamente sustentável, ser ambientalmente consciente, colaboradores receberem remuneração de mercado e com melhores condições de trabalho, entre outros.

3- NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL SÃO UMA REALIDADE NO BRASIL

No Brasil, o ecossistema empreendedor já abraçou há pelo menos uma década esta modalidade de negócios, seja por meio da discussão do tema no ambiente universitário, aceleradoras, linhas de crédito e, o mais importante, o crescimento de empreendimentos criados dentro desta concepção. Atuação de Programas como o Shell Iniciativa Jovem e da Artemisia, sinalizam a consolidação deste modelo.

Em 2017, o InovAtiva criou uma vertical específica para este segmento e tive o privilégio de atuar como Mentor da VOIX, uma startup de Campinas, criada pelo empreendedor Marco Antônio Linhares, que idealizou um projeto de gameficação para combate ao bullying no ensino médio e teve uma excelente performance até o final do InovAtiva 2017.

Há dois anos já venho atuando como Mentor de outra startup chamada Bab Sharki, um marketplace que atua com enfoque de geração de trabalho e renda para refugiados, apoiada pela Aceleradora de Bluefields Development, com enfoque em Negócios de Impacto. Os cases e experiências se espalham pelo País.

4- A QUESTÃO DO PROPÓSITO

Como mentores, enfatizamos sempre para os empreendedores a relevância da viabilidade mercadológica, financeira e operacional do negócio, assim como a crença e propósito do fundador ou fundadores no projeto. Enfatizamos este aspecto, porque entre a criação e validação é imprescindível um tempo de maturidade, que embora possa ser relativo, tende a ser algo por volta de cinco anos. É nesta fase que o propósito é realmente testado. Neste sentido, os empreendedores sociais são mais propensos a serem mais resilientes com relação às dificuldades e obstáculos comuns à jornada do empreendedor do que aqueles envolvidos em negócios mais tradicionais.

Esta é uma variável que não pode ser desconsiderada quando se trata de Negócios de Impacto. Outra questão relevante, é que os empreendedores deste setor estão diante de uma série de problemas e “dores”, típicas de países subdesenvolvidos, como necessidade de geração de renda, inclusão digital, alimentação, saúde etc. A mudança de mindset que, como mentores já é quase um clichê, embora verdadeiro e necessário: “O empreendedor precisa ser primeiro obstinado pelo problema que pretende resolver e não pelas potenciais soluções”.

5- OS FATORES CRÍTICOS PARA O SUCESSO SÃO OS MESMOS PARA NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL

O empreendedor de negócios de impacto social precisa ter uma visão clara que seu projeto demanda enfoque em gestão, atratividade para investidores e priorizar lucratividade e rentabilidade, como um negócio qualquer. Portanto, o uso de ferramentas de planejamento, operação e controle de gestão são fundamentais. O modelo mental do empreendedor social deverá sempre ser distinto, apesar de propósitos similares, aos dirigentes e gestores do terceiro setor.

O Brasil e os países subdesenvolvidos estão repletos de problemas e demandas sociais e os empreendedores de negócios de impacto social podem representar, em grande parte, uma alternativa viável e contemporânea para o enfrentamento de grandes desafios.

*Marcelo Bárcia

Mestre em Administração Pública pela EBAP/FGV/RJ, professor universitário há 25 no RJ, autor de livros sobre empreendedorismo, membro da ABMEN-Associação Brasileira de Empresas e Negócios, mentor de startps no Programa Inovativa  aceleradoras Blufields Development e Future Education (SP).

Artigo publicado no blog do Programa InovAtiva Brasil (https://www.inovativabrasil.com.br/blog-inovativa)