Soluções para uma saúde acessível e de qualidade no Brasil

Brunna Zogbi (Vox Capital), Marco Istvan de Camargo (Laboratório Sabin), Mahiti Godoy (Prontmed), Paulo Braga (Eurofarma), Thais Fontoura (Quintessa) e Giovani Cerri (InovaHC)

Atenção básica, promoção da saúde e portabilidade da informação digital são os três pontos-chave que a tecnologia e o empreendedorismo podem solucionar. A meta é buscar soluções de saúde que sejam para todos.

Vox Capital e Quintessa realizaram, no dia 27 de fevereiro, em São Paulo, a terceira edição do Portas Abertas Saúde – Diálogos, iniciativa que reuniu empreendedores de saúde e grandes atores desse mercado, com o objetivo de debater soluções para uma saúde acessível e de qualidade no Brasil e de impulsionar negócios de impacto nessa área. Participaram do encontro Marco Istvan de Camargo, gestor de inovação do Laboratório Sabin, Paulo Braga, da Eurofarma, e Mahiti Godoy, da Prontmed. A conversa foi conduzida por Giovanni Cerri, diretor do Núcleo de Inovação Tecnológica (InovaHC), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Para Giovani Cerri, a questão fundamental é que falamos muito em doença e pouco em saúde. “A forma mais barata de investir em saúde é estimular as pessoas a serem mais saudáveis e a não ficarem doentes. A saúde é um bem e a melhor forma de promover esse bem é ter uma vida saudável, uma cabeça melhor”, explica Cerri.

O empreendedorismo poderia ajudar muito a solucionar os grandes desafios da saúde no Brasil: promoção da saúde, portabilidade da informação da medicina digital e atenção primária, porta de entrada que resolve 95% dos problemas. “Nessa área, temos grandes deficiências que a telemedicina pode ajudar. As mudanças são inevitáveis”, apontou Cerri.

Marco Istvan de Camargo, do Sabin, lembrou que nos Estados Unidos a questão dos cuidadores é um dos nichos mais aquecidos de saúde digital. “Aplicativos podem apoiar o cuidador ou o familiar para que possam dar assistência às pessoas que têm doenças crônicas. O sistema não consegue chegar até a pessoa doente de outra forma, daí a importância estratégica do cuidador. Tem também um ingrediente de mudança de mentalidade. Nós estamos acostumados a ver sempre a questão pelo mesmo ângulo. Mas uma outra geração está vindo e ela começa a enxergar as coisas de outra forma, e a saúde digital está inserida neste contexto”, afirma Camargo.

Mahiti Godoy, da Prontmed, destacou que há uma série de iniciativas voltadas para os 50+. “Eu gostaria de ver alguma coisa para os ‘Menos 10’. Seria uma oportunidade porque eles já são digitais. A ideia é poder engajá-los à base de jogos, juntando informação sobre alimentação por exemplo, e premiar conquistas com um clube de benefícios. Isso seria focar na saúde e não na doença. Educação também é atenção primária. É neles que precisamos focar esforços”, explica Mahiti.

A questão dos cuidados paliativos foi levantada por Tom Almeida, fundador do movimento inFINITO. “O Brasil é um dos piores países para se morrer. Matéria publicada no The Economist diz que o Brasil é o 42º país pior para morrer, seja porque morremos com muita dor ou porque, quando não há mais nada a fazer por um paciente, os profissionais de saúde viram as costas e tudo bem. Mas a questão é que existe uma pessoa em cada paciente”, afirmou Almeida.

“O Brasil não está convencido de que está envelhecendo. Nós vivemos um momento complexo em que não resolvemos ainda os problemas do desenvolvimento, as causas do câncer, da violência e das doenças infecciosas, que estão aumentando. Estamos olhando para o futuro sem ter resolvido o passado”, argumentou Braga, da Eurofarma.

“Falar sobre a morte é um tabu e a gente precisa conversar sobre isso”, acrescentou Mahiti


“Quando se é empreendedor, tem que enxergar a saúde como uma coisa só e para todos”


A assistente social Teresa Oliveira que trabalha em um aplicativo para o SUS, que tem o objetivo de prestar assistência a pacientes de hanseníase, levantou a questão da necessidade de maior interação entre o serviço público de saúde e o privado. “O Brasil precisa entender que a saúde privada não deve se incomodar de bater na porta do serviço público. Não deve haver separação, tem que somar”, afirmou. A diretora da Prontmed acrescentou que “um depende da outro. Tem que entender o papel de cada um. O Sírio Libanês e o Albert Einstein, por exemplo, fazem atendimentos à distância para o SUS”.

Cerri explicou que o Sistema Único de Saúde inclui as áreas pública e privada. “Não são separados e isso está na Constituição. O Brasil é um país de desigualdades e muita gente pode ser testemunha de que existem ótimos atendimentos no SUS e péssimos no privado e vice-versa. Não é porque é privado que é bom. O empreendedor tem que enxergar a saúde como uma coisa só e precisamos desenvolver um sistema de qualidade e acessível para todos. Essa é uma grande oportunidade, porque isso pode reduzir o custo da saúde no Brasil e permitir que mais pessoas tenham acesso à saúde de qualidade”, afirmou Cerri.

Cerri perguntou aos participantes do painel sobre os desafios que poderiam ser respondidos por empreendedores e se suas empresas buscavam parcerias com startups.

“Startups podem melhorar a operação interna, garantir mais eficiência desde a área jurídica até a área de vendas. Ou tornar a vida dos nossos stakeholders mais simples, ajudar na relação médico paciente. Nós firmamos uma parceria com o NexoData, que desenvolveu um sistema de prescrição médica eletrônica. O sistema tem uma série de funcionalidades, entre elas uma que consideramos muito importante que é a interação medicamentosa. Conforme o médico prescreve os medicamentos, o sistema aponta a interação medicamentosa entre eles. Hoje o nosso desafio é conseguir mais médicos para compor a base. O médico que consulta o sistema não paga pelo serviço. O sistema cria ainda um histórico do paciente, o que é uma facilidade para ele. Esta é uma parceria que deu muito certo. O sistema pode beneficiar principalmente médicos que ficam distantes dos grandes centros”, explica o responsável pela área de Corporate Venture da Eurofarma.

Para Marco Istvan de Camargo, os desafios na área de medicina diagnóstica estão ligados à personalização do tratamento centrado no paciente e à maior precisão nos resultados. “Existe a questão do atendimento a distância, tanto a coleta quanto o próprio paciente realizar a sua autoimagem. Estamos investindo em uma das maiores aceleradoras de Israel nessa área de saúde digital. Estamos olhando isso muito de perto, analisando várias startups. É importante que haja sempre a formação de parcerias para soluções conjuntas, unindo conhecimentos, por exemplo, na área da inteligência artificial e nas áreas da radiologia ou da genética, nas quais nossa colaboração é maior”, comenta Camargo.

A Prontmed, por sua vez, é uma empresa estabelecida, que tem contratos firmados com grandes players. “Somos uma plataforma muito focada em atenção primária e secundária. No último ano aconteceu um boom porque há um interesse muito grande sobre as áreas de atenção primária e secundária, que são fundamentais para a gestão de saúde. E para fazer gestão de saúde, é preciso ter dados que permitem entender o que é preciso fazer para atender a população e entender a conduta dos profissionais. A questão básica é que esses players são muito grandes e não têm a agilidade de uma startup. Às vezes, é difícil acelerar porque, em geral, as instituições têm uma conotação burocrática. Mas o que dá para sentir é que elas estão sedentas pela agilidade de uma startup. E não apenas pela solução, que sempre faz parte de alguma forma de atuação diferente. Como empreendedores, precisamos parar de criticar e tentar ajudar”, comenta Mahiti.

Quem lida com gestão precisa de dados, mas como confiar nos dados do interior da Bahia, por exemplo? Como montar uma estratégia de intervenção? Se a população continua sofrendo com problemas é porque os dados têm ruídos. Diante desse questionamento colocado pelo empreendedor Davi Liu, Mahiti afirmou que a questão é confiar ou não no profissional de saúde.

Cerri argumentou que, sem dados, não há diagnóstico e, que sem diagnóstico, não é possível o tratamento. “O que já sugerimos para o ministério é a implantação do Cartão SUS para todos os brasileiros, que garantiria a portabilidade de dados. Isso resolveria também a repetição de exames. Além da portabilidade, é essencial que haja transparência das unidades de saúde. As pessoas precisam saber que o hospital X tem um bom resultado, por exemplo. Os países que introduziram políticas de transparência de dados conseguiram melhorar o atendimento e reduzir a mortalidade por pressão sobre o prestador de serviço. A divulgação dos dados obriga cada um a fazer melhor”, comentou Cerri.

Buscar soluções de saúde que sejam para todos

Pesquisas desenvolvidas pela área pública acabam gerando medicamentos e tecnologias caras que vão beneficiar pacientes que já têm acesso ao sistema de saúde privado. “O campo do desenvolvimento de moléculas e medicamentos é bem mais complexo. Exige muito investimento e parceria com as indústrias. O Brasil investiu pouco em Pesquisa & Desenvolvimento, muito por conta do preconceito da colaboração entre a universidade pública com o setor privado. Hoje isso é mais aceitável, mas é uma cultura a ser desenvolvida. Medicamentos de alto custo abrem espaço para o acesso”, explicou Cerri.

O diretor do InovaHC levantou outra possibilidade de atuação para os empreendedores de impacto – a criação de contribuições acessíveis de baixo custo que consigam evitar a ida do paciente ao pronto-socorro e complicações. “Diabetes é o maior problema de saúde pública. Como ajudar os diabéticos? Monitorando… O mesmo pode ser feito para hipertensão, obesidade, alcoolismo. A telemedicina consegue evitar que 70% das pacientes caiam em um PS. Isso representa uma revolução na saúde”.

Conselhos para estimular a relação empreendedores – empresas

Para Paulo Braga, todo empreendedor é apaixonado pela solução e não pelo problema. “Isso é um problema porque ao ser confrontado, ele resiste. O empreendedor é movido a ambição, que geralmente é transferida para uma proposta comercial. Ele pode ter nas mãos um negócio extraordinário que vai gerar um impacto enorme na ponta, mas não consegue viabilizar. Eu falo sempre: pensa grande, mas começa pequeno! Assim o empreendedor consegue provar que o produto funciona e pode exigir mais”.

O gestor de inovação do Sabin argumenta que, às vezes, empreendedores falam de saúde digital como se fosse um fliperama. “O empreendedor não está pensando em resolver problemas das pessoas que sofrem. Ele está apaixonado pela tecnologia. Saúde não combina com estrelismo. Empreendedores não são rockstars”, comenta Camargo.

A empreendedora Mahiti destacou que não existe uma fórmula pronta: aprender sempre, ouvir muito e não ser apaixonado pelo negócio. “É importante entender a necessidade do mercado, mapear os players e os possíveis parceiros, buscar entendimento de como montar o modelo de negócio e aproveitar as críticas. Ser empreendedor tem um lado bem legal, como tem aspectos bem difíceis. A paixão cega mata o empreendedor em potencial”, afirmou Mahiti.