Qual o momento certo de trazer escala para o modelo de negócios de impacto?

Roda de Conversa do Quintessa com a participação de empreendedores e mentores (foto divulgação)

Quintessa realiza encontro para compartilhar conhecimentos e aprendizados. Cada empresa vive sua própria realidade, mas os dilemas que os empreendedores enfrentam são comuns, assim como as dores do crescimento. Nos depoimentos dos participantes, muita inspiração para os desafios dos negócios de impacto social.

Qual o momento certo de trazer escala para o modelo de negócios de impacto? Para debater o tema, o Quintessa reuniu empreendedores e mentores no encontro Gestão e Crescimento Consistente: como entender o momento certo de trazer escala para o meu negócio de impacto, realizado no dia 16 de outubro, em São Paulo.

Negócios em fase de tração, escala, crescimento exponencial, valuations milionários, growth hacking (marketing orientado a experimentos)… Foram muitos os temas em análise e, permeando todos eles, a reflexão: vale o crescimento a qualquer custo? Participaram do encontro os mentores Cristiane Oliver e Maurício Escobar, e os empreendedores Lucas Torres e Guilherme Brammer, que tiveram seus negócios acelerados pelo Quintessa.

“Em nove anos de atuação, o Quintessa auxiliou o crescimento de mais de 60 negócios. Os empreendedores convidados para essa roda de conversa demonstraram crescimento consistente sob uma gestão estruturada durante os nossos programas de aceleração e podem compartilhar suas histórias e aprendizados”, afirma Anna de Souza Aranha, diretora do Quintessa. Muita inspiração e conhecimento movimentaram o debate.

“Startup não mente, mas estica a verdade”

Equilibrar crescimento de curto prazo ou estruturar a gestão da empresa para o longo prazo? O que fazer primeiro: começar a vender ou contratar equipe para garantir qualidade? Concentrar o foco em vendas ou finalizar o produto que foi planejado? Os empreendedores Guilherme Brammer, da Boomera, e Lucas Torres, do Nave à Vela, relataram com humor suas histórias, contando como os negócios começaram e como enfrentaram as dores do crescimento.

Guilherme Brammer criou a Boomera há sete anos, conta hoje com uma equipe de 150 colaboradores e desenvolve o modelo de economia circular. “Nós começamos em uma sala, que ficava em cima de uma loja de tapetes e cortinas. Nosso primeiro cliente foi a Dow, que nos contratou para organizar o legado da empresa para as Olimpíadas. Eles não queriam deixar nenhum impacto ambiental, nenhum resíduo. O diretor fez questão de visitar o nosso escritório e, chegando no endereço, ligou dizendo que estava errado. Ele acreditou na gente e esse foi o primeiro projeto que começou a alavancar os contratos. Todo mundo já estava preocupado com a legislação de resíduos e buscando soluções. Depois da Dow, vieram a P&G, Natura, Nestlé, Unilever e outros. Foi aí que aprendi que ‘startup não mente, mas estica a verdade’. Tem que entregar sempre, custe o que custar, noites em claro.”

Em 2016, Brammer conta que estava em pleno crescimento e decidiu realizar uma parada estratégica. “O Quintessa nos ajudou a encontrar o foco. Surgiu a oportunidade de adquirir uma fábrica no Paraná. Todo mundo foi contra, mas assumimos o risco. Foi uma decisão difícil, mas pesamos a questão cultural que faz sentido para o Brasil. Criamos um laboratório para mostrar que é possível o que propomos. Para dar conta, adotamos o modelo de rede, contratando especialistas. Apostamos na criação de uma metodologia para criar escala.” A Boomera faturou R$ 20 milhões em 2017 e a expectativa é dobrar esse valor para 2018.

Enfrentando o dilema produto x vendas

Lucas Torres é cofundador do Nave à Vela, startup que usa tecnologia aplicada à educação básica. O ponto de partida é um laboratório montado na escola, no qual é possível construir desde peças simples, como um jogo de tabuleiro ou um instrumento musical, até aparelhos eletrônicos um pouco mais complexos. A meta é implantar a cultura de inovação e desenvolver competências dos alunos. A empresa conta com uma equipe de 40 pessoas. “Em 2016 atendíamos cerca de 400 alunos em São Paulo. Mudamos o nosso modelo de negócios para torná-lo mais escalável e passamos para 2 mil alunos. Esse ano, fecharemos com 6 mil e, para 2019, a meta é atingir 15 mil a 20 mil.”

A paixão por resolver um problema foi a base do começo do Nave à Vela e levou a empresa a se conectar com o primeiro cliente. “Um ótimo produto sem um modelo de vendas é pior do que ter um ótimo modelo de vendas e um produto ruim. Nós começamos há quase quatro anos, não tivemos investimento e isso nos levou à urgência de vender para sobreviver no mês seguinte. E para conseguir vender, eu tenho que ter bem claro as qualidades do meu produto e ter a cabeça muito mais na rua do que dentro de casa. Continuamos a nos questionar sobre como escalar, sentindo as dores do crescimento. Como empreendedor, tivemos que enfrentar o dilema produto x vendas. Estávamos na ponta e tínhamos que entregar. Hoje não estamos mais sozinhos para tomar as decisões. Temos gestor de produtos e diretor de vendas que precisam conversar, trocar informações. Como princípio, vendas vem sempre em primeiro lugar, a gente precisa sempre estar desconfortável, sempre ter receio do que é preciso entregar. O meu ciclo comercial está focado na educação básica, que tem um ciclo anual. Agora no final do ano, temos que vender o que vamos entregar no ano que vem – será a receita do próximo ano. No ano que vem, vou vender projetos para 2020. É um desafio constante. Temos que vender e depois correr para entregar. Temos resolvido problemas organizacionais para garantir essa dinâmica.”

“Queimou o nosso filme”

“Aprendemos a ser apaixonados pelos problemas que resolvemos, mas não pelas soluções desenvolvidas. Aprendemos com os tombos. No início, fomos contratados por um cliente gigante da área de alimentos e resolvemos um problema de resíduos que ninguém tinha conseguido. Só que a forma da apresentação foi totalmente equivocada e queimou nosso filme. Levamos uma sacola de supermercado com bolinhas de plástico, a solução que tínhamos encontrado. É claro que o tal diretor não nos levou a sério, mas aprendemos a lição. O cliente precisa entender o que a gente faz. Hoje caprichamos nas entregas, o belo é fundamental”, conta Brammer.

Outro ponto importante, segundo Brammer, são as pessoas. No começo, a Boomera contratou pessoas que estavam para se formar e queriam trabalhar em projetos com propósito. Mas não tinham experiência em gestão e não sabiam lidar com ferramentas como o Excel. Mudamos o perfil e passamos a contratar pessoas experientes, em geral ex funcionários de grandes empresas. Formamos uma equipe de gestores que traziam bagagem de multinacionais. Até que eu ouvi um comentário de um deles: como você fala com minha equipe sem falar comigo? Pensei: nossa é o começo do fim da Boomera. Quebramos a hierarquia e, hoje, ninguém tem cargo. Temos redes estratégicas e projetos estratégicos que precisamos desenvolver para chegar ao cenário traçado para 2020. Todo mundo está no mesmo barco e ficou claro o comportamento que se espera das pessoas. O trabalho de RH é muito forte”, explica Brammer.

Quando o cliente quer outro produto

Lucas Torres explica que o importante é entender o problema que precisa ser resolvido. “No caso do Nave, tivemos que mudar radicalmente o nosso modelo de negócio duas vezes. Nós percebemos que estávamos tentando resolver o problema errado. Mudamos o produto e a empresa inteira. Isso aconteceu no meio do processo de aceleração com o Quintessa. Perdemos clientes, saíram pessoas que não concordavam com isso, mas depois de alguns meses, vimos que tomamos a decisão certa. O que foi mantido se tornou um desastre no ano seguinte. Então, os toques do cliente que não quer comprar o que você oferece podem levar você a repensar o produto e até a empresa”.

Outro princípio importante, na visão de Torres, é não se descaracterizar, manter o foco. “No ano passado, um mentor fez uma provocação: por que vocês não criam uma escola? Para vocês, que têm o DNA de educação e de inovação, vai ser fácil. Ficamos uns três meses pensando nisso. E chegamos à conclusão de que seria legal, mas não no momento. O nosso foco era fazer o modelo de negócio funcionar. Pesquisando o que acontecia nas escolas, fizemos algumas coisas diferentes. Experimentar a divergência é importante, mas o risco é permanecer no conforto e deixar de construir. Hoje fazemos escolhas e mantemos o foco. Mantemos alguns projetos na vitrine, que nos dão visibilidade”, completa Torres.

Aprendizados

Para Torres, é o crescimento que impulsiona a gestão de pessoas e o planejamento financeiro. “Acabamos de sair de uma aceleração, nosso negócio é pequeno e, olhando para um mercado imenso, não teríamos como ganhar escala. A primeira vez que a gente fez um planejamento anual foi incrível porque até então a nossa relação era pensar se daria para pagar as contas do próximo mês. Só conseguimos nos estruturar por meio do crescimento. O trabalho do Quintessa foi definitivo para nós”, comenta Torres.

Brammer destaca também que é sempre bom contar com uma aceleradora, gente que não está apaixonada pelo que você faz, que complemente o seu modelo, além de escolher bons mentores. “No começo, quebrei a cara porque como tinha trabalhado em grandes empresas, achava que sabia tudo. Estava enganado e isso atrasou o nosso desenvolvimento. Escutar é muito importante! Ter gente de fora ajudando é muito bom”.

“Pensar grande dá o mesmo trabalho que pensar pequeno”

Cristiane Oliver é coach e Mentora Quintessa há quatro meses. “Minha vida profissional foi em grandes empresas nas áreas de vendas e de serviços. Não sou empreendedora, mas trabalhei em empresas com perfil empreendedor. Quando fui tocar um projeto de vendas na Venezuela – e eu não era dessa área – ouvi a seguinte frase: ‘Vendas e sair para a rua é igual insulina para diabéticos que precisam disso para viver’. Tem que fazer. Não adianta argumentar que fluxo de caixa e motivar a equipe são mais importantes. Ninguém vai contar melhor do que os seus olhos o que acontece na rua. Então, tem que sair para vender. O segundo ponto é contar com pessoas que acreditam nas mesmas coisas que você. Quem está no barco com você? Quem vai remar com a mesma intensidade? Isso faz toda a diferença. Quando você chega em um outro país, as pessoas não sabem quem você é. Você terá que conquistá-las. A mesma coisa serve para outro estado, outra cidade.”

“Pensar grande dá o mesmo trabalho que pensar pequeno – gosto muito desse mantra”, diz Cristiane. “Isso traz uma associação com duas palavras: confiança (acreditar naquilo que está fazendo) e humildade para abrir os ouvidos e perguntar. Às vezes, ouvimos aquilo que a gente não gosta, mas que vai dar aquela mexida interna e provocar reflexão. Esse processo é difícil. Geralmente, o anjo que chega junto de você para falar uma coisa que você não queria ouvir, abre a visão para coisas que você não queria enxergar.”

 “Pense grande, comece pequeno e ande depressa”

Mauricio Escobar é Mentor Quintessa desde 2011 e empresário – vice-presidente da Anima Educação, organização educacional privada de ensino superior, com quase 100 mil estudantes matriculados em diversos campi de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e do sul do país. “Em todo começo, precisa haver uma conexão genuína com o cliente. Nunca com a ideia ou produto. A partir de uma faísca, o empreendedor elabora a ideia, mas em geral não gosta de vender. É bom saber que todo negócio começa sendo financiado pelo cliente”.

Para Escobar, “sempre vai existir também o momento de pular no abismo do risco. Tem negócio que começa com dois ou três clientes e parece confortável. Mas não é. O salto no abismo é necessário para criar valor. Às vezes, é maior do que as pernas, do que você consegue aguentar, mas sempre acontece no meio da jornada. O negócio é um risco por si só. Então, o que você pode perder? Penso que se há convicção de empreender, sempre dá certo. E às vezes, muda a nossa vida. O empreendedor tem que ter paciência com o crescimento, mas impaciência com o lucro. No fundo, é o lucro quem paga as contas”, afirma Escobar.

E complementa: “A humildade é importante porque a vaidade mata. Cada um deve guardar algo do início. Já vi muitas pessoas que criam negócios bacanas, fizeram carreiras de sucesso, mas foram engolidas pela própria vaidade. Aprendi em Minas: pense grande, comece pequeno e ande depressa”.