“Negócios periféricos precisam de parceiros, não de porta-vozes”

Vivianne Naigeborin, assessora estratégica da Potencia Ventures

“É fundamental que a periferia seja protagonista da criação de soluções para seus próprios desafios e na busca pela redução das desigualdades”, afirma Vivianne Naigeborin, assessora estratégica da Potencia Ventures, em entrevista ao Notícias de Impacto.

Vivianne Naigeborin atua há 20 anos no campo do empreendedorismo social. Com entusiasmo contagiante, ela fala da oportunidade de participar da criação da Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia – ANIP, iniciativa conjunta de A Banca, Artemisia e FGVcenn (Centro de Empreendedorismo e Negócios da Fundação Getulio Vargas). No evento Criando Pontes 2019, realizado em abril em São Paulo, ela compartilhou o seu aprendizado sobre a temática de negócios de impacto social, experiência que se potencializou no último ano na ANIP. ”Os negócios periféricos precisam de parceiros, não de porta-vozes. Historicamente, o que sempre predominou foi a busca por construir soluções de fora para dentro, que se mostraram limitadas em sua capacidade de gerar impacto”, afirma.

Vivianne é assessora estratégica da Potencia Ventures, organização internacional que investe em mercados globais emergentes com o objetivo de desenvolver um ambiente propício para empresas que contribuem para a redução da pobreza. A organização foi o primeiro investidor e principal parceiro estratégico de iniciativas importantes para empresas com impacto social no Brasil, como a Vox Capital, a primeira empresa brasileira de capital de risco em investimento; e Artemisia, organização pioneira na disseminação, promoção e aceleração de negócios de impacto no Brasil.

Antes de Potencia, Vivianne trabalhou como consultora estratégica para empresas, fundos, indivíduos e organizações do setor cidadão na área de negócios com impacto social. De 2000 a 2007, foi diretora Internacional para Parcerias Estratégicas e Integração da América Latina na Ashoka Innovators for the Public. Ela também faz parte do grupo que lançou o primeiro MBA brasileiro em Negócios Socioambientais em 2012, uma parceria entre Artemisia, Universidade de São Paulo e IPE, e integra o conselho de diversas organizações da sociedade civil brasileira. Vivianne coordenou a elaboração de dois livros sobre o tema negócios sociais: Empreendimentos Sociais SustentáveisNegócios Sociais Sustentáveis. É conselheira da Artemisia, ICE, Inspirare, Hub SP e do Comitê da Vox Capital e Polo Brasileiro da ANDE (Aspen Network of Development Entrepreneurs).

Qual foi a sua participação na criação da Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia – ANIP, iniciativa conjunta de A Banca, Artemisia e FGVcenn?

Fiz parte do grupo que concebeu e desenvolveu a iniciativa, além de participar ativamente dos processos de seleção dos negócios acelerados e das capacitações oferecidas.

Como você vê o papel da ANIP no ecossistema de impacto social?

A ANIP é pioneira no debate sobre o papel que negócios periféricos devem desempenhar no campo de empreendedorismo social. E tem essa legitimidade, por ser, ela própria, um negócio de impacto nascido no Jardim Ângela, em São Paulo, e que, desde as suas origens, buscou criar pontes de interação, diálogo e trabalho com instituições de diferentes regiões da cidade. A ANIP é o exemplo, na prática, da potência, criatividade e empreendedorismo que existe nas periferias dos grandes centros urbanos e que já está fazendo a diferença na nossa cidade.


“O surgimento de coletivos e eventos relacionados à cultura não só resgatou a identidade e levou a voz da periferia para o mundo, mas fomentou a criação de novos negócios”


No evento Criando Pontes, sua apresentação abordou as transformações da periferia. O que de fato mudou na periferia?

A periferia de São Paulo passou por grandes transformações ao longo dos últimos anos. Fazendo um recorte sob a ótica de negócios de impacto, algumas mudanças foram fundamentais para o surgimento de negócios periféricos. O surgimento de coletivos e eventos relacionados à cultura não só resgatou a identidade e levou a voz da periferia para o mundo, mas fomentou a criação de novos negócios, alguns deles inclusive acelerados pela ANIP. Produtoras de notícias, editoras de livros de literatura marginal, negócios ligados à gastronomia e à moda são alguns exemplos.

Outra mudança importante foi que, nos últimos anos, aumentou muito o número de moradores periféricos que concluíram o ensino superior. Conhecedores da carência na oferta de alguns serviços essenciais, alguns optaram por permanecer e desenvolver soluções empreendedoras que entregassem valor às suas comunidades de origem. Nos últimos anos, vemos crescerem negócios de impacto liderados por estes empreendedores em setores novos como educação, saúde e habitação. Empreendedores que não somente estudaram, mas que vivenciaram de perto os desafios relacionados a esses setores nas suas comunidades.

A população periférica também fortaleceu sua consciência ambiental. Cresceu o número de organizações atuando na preservação de áreas de proteção ambiental em zonas periféricas. Na outra ponta, cresceu também o número de consumidores conscientes que passaram a buscar serviços sustentáveis e produtos locais com um custo mais acessível, abrindo oportunidades para a criação de negócios de coleta de resíduos, de produção e venda de orgânicos e de turismo ambiental em áreas periféricas.

A periferia também está na vanguarda da economia de compartilhamento e no consumo colaborativo, que historicamente fazem parte da cultura de seus moradores e que, só mais recentemente, começou a ser valorizada nos grandes centros.


“É fundamental que a periferia seja protagonista da criação de soluções para seus próprios desafios e na busca pela redução das desigualdades”


Como os negócios periféricos podem contribuir na redução das desigualdades?

É fundamental que a periferia seja protagonista da criação de soluções para seus próprios desafios e na busca pela redução das desigualdades. Os negócios periféricos precisam de parceiros, não de porta-vozes. Historicamente, o que sempre predominou foi a busca por construir soluções de fora para dentro, que se mostraram limitadas em sua capacidade de gerar impacto. Há muita potência e conhecimento local que precisam ser ouvidos e valorizados.

Que tipo de suporte os negócios periféricos precisam?

Eles precisam do mesmo suporte de que todos os negócios nascentes necessitam. Acesso a conhecimento, novas redes de contatos de onde possam conseguir apoio, mentoria, parcerias comerciais, potenciais clientes e investidores. A diferença é que isso tudo deve ser oferecido, compreendendo e respeitando a identidade, o contexto e as condições locais e priorizando o impacto social e ambiental.