Grandes empresas debatem desafios e estratégias de conexão com negócios de impacto

Célia Cruz, diretora-executiva do ICE

Compras estratégicas, corporate ventures, inovação na cadeia de valor – há muitos desafios e oportunidades para as grandes empresas na área de negócios de impacto socioambiental, alinhados também aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O que as grandes empresas têm a ver com negócios de impacto? Como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), podem orientar o engajamento das grandes empresas nessa agenda? Essas foram as principais questões debatidas no 8º encontro da Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE, realizado no dia 5 de novembro, na sede do Instituto Votorantim, em São Paulo. O tema proposto para os representantes de institutos e fundações, empreendedores e organizações do ecossistema foi “Conexão dos negócios de impacto com cadeias de valor de grandes empresas: fomentando novos modelos de negócios e repensando/qualificando o próprio impacto a partir dos ODS.

“O objetivo dos encontros temáticos é criar conexões e proporcionar aprendizados, em rede, com as organizações do campo. São trocas que vão para além das fundações e institutos”, explicou Célia Cruz, coordenadora da Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE e diretora-executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE).

Ao abrir o encontro, Célia Cruz fez um retrospecto da atuação do ICE, que há 20 anos reúne empresários e investidores para desenvolver inovação social. “Desde 2012, o ICE trabalha com o tema Investimentos e Negócios de Impacto e um dos programas é o Aliança pelos Investimentos em Negócios de Impacto (antiga Força Tarefa de Finanças Sociais), que exerce o papel de articulador e facilitador do ecossistema. Em 2015, depois de uma análise das demandas, desafios e oportunidades do ecossistema de investimento de impacto, a Aliança lançou 15 recomendações com as respectivas sugestões de metas até 2020, para estimular o avanço dessa agenda. Uma das recomendações era voltada para as grandes empresas, que poderiam incorporar essa agenda. Identificamos uma grande sinergia com o campo de negócios de impacto. Elas poderiam contribuir com compras estratégicas, fazer corporate ventures e incentivar a inovação na cadeia de valor”, explicou Célia.


“As empresas podem identificar oportunidades de negócios de impacto e determinar qual dos ODS pode ser envolvido”

Célia Cruz, diretora-executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) 


 

As oportunidades, porém, implicavam em barreiras e desafios. Para alavancar a agenda, a Aliança reuniu os institutos e fundações e implementou laboratórios com o objetivo de criar protótipos. Em um deles, foi criado o FIIMP, fundo formado com doações de 22 fundações para realizar investimentos em intermediários para aprender como funcionam os mecanismos financeiros: garantia, empréstimo e crowd equity. “A nossa tese era que o capital privado faria o negócio avançar. Além desse fundo, criamos outro laboratório para desenvolver um protótipo específico para as grandes empresas, pensando em compras estratégicas e o que poderia ser feito em relação à cadeia de valor. Foi desenvolvido um guia que está disponível no site da Aliança”, destacou Célia.

O “Manual para líderes de Grandes Empresas atuarem com Negócios de Impacto” apresenta conceitos e informações do campo e mostra como CEOs e gestores podem se mobilizar para identificar oportunidades e demandas internas e de sua cadeia de valor para se conectarem a modelos de negócio que resolvem problemas sociais.

Nesse contexto, os ODS com seus 17 indicadores e 169 metas representam uma linguagem que ajuda a formar um olhar sistêmico, colaborativo e integrado. “As empresas podem aproveitar essa base para identificar oportunidades de negócios de impacto e determinar qual dos ODS pode ser envolvido. Temos então a oportunidade de aprender como o campo e as grandes empresas estão olhando para os ODS”, salientou a coordenadora.

Trabalho em construção

Andreas Ufer, sócio-fundador do Sense-Lab, consultoria especializada em estratégia e inovação social, participou da elaboração do Manual. Em sua apresentação no encontro da Rede Temática, destacou que as organizações estão buscando gerar valor coletivo, como atrair e reter talentos e incorporar inovação. “É consenso que o contexto socioambiental exerce influência sobre a performance das empresas. Não basta mais gerar só o lucro financeiro. Elas estão sendo chamadas para assumir um papel mais ativo. A grande questão para as empresas é que impactos elas querem gerar e quais impactos precisam ser reduzidos. Basta conhecer os ODS, que funcionam como um frame para essa atuação”, ponderou Andreas.

Andreas Ufer, sócio-fundador do Sense-Lab

As questões ambientais – ecossistema, mudanças climáticas, exaustão de recursos naturais – são tão urgentes quanto os aspectos sociais, como educação, capacitação, desigualdade. “A sociedade exige uma atitude coerente e proativa e as empresas necessariamente terão que se adaptar à nova realidade”, afirmou o consultor. A Agenda 2030 chama o empresariado a agir e reconhece o protagonismo da iniciativa privada na solução dos problemas socioambientais. O “Guia dos ODS para as Empresas – Diretrizes para Implementação dos ODS na Estratégia dos Negócios” foi elaborado pelas instituições Rede Brasileira do Pacto Global, Global Reporting Initiative (GRI) e Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). “É extenso e cheio de exemplos. O roteiro, contudo, é básico: entender os ODS, definir prioridades, estabelecer metas (o que o mundo precisa e não só o que se quer entregar), integrar nas ações de desenvolvimento, na cadeia de suprimento e, por fim, comunicar o que está sendo gerado de positivo”, explica Andreas.


“A grande questão para as empresas é que impactos elas querem gerar e quais impactos precisam ser reduzidos. Os ODS funcionam como um frame para essa atuação”

Andreas Ufer, sócio-fundador do Sense-Lab


 

Ao longo da cadeia de atuação existem oportunidades para trabalhar impacto desde matéria-prima, fornecedores, consumo responsável, reciclagem etc. O primeiro passo é examinar os potenciais de impactos positivos e negativos da cadeia. “Esse olhar sobre a cadeia é uma abordagem interessante para focar os ODS: o que a empresa está gerando de negativo e o que poderia gerar de positivo, mas não está gerando. Todas as empresas estão sendo chamadas para maximizar seus impactos positivos e minimizar os negativos. Assumir seu papel na sociedade. Existe um campo de mais de 10 anos de experimentação com modelos de negócios que comprovam ser possível ter sustentabilidade financeira e impacto. Por que as empresas não olham para isso como forma de buscar solução? Olhar para a cadeia e ver o que dá para resolver internamente”, aponta o consultor.

Motivação não falta para as empresas. Elas estão sendo chamadas a agir e precisam revisar o seu propósito; enfrentam desafios operacionais e existenciais para continuarem e precisam experimentar o futuro, conquistar um protagonismo maior no social e ambiental. “Nossa época é muito dinâmica e, a demanda por inovação, muito rápida. A questão é: como podemos chamar a inovação que está dispersa no campo de empreendedorismo e de startups para começar a aprender a resolver os problemas?”.

Os negócios de impacto podem apresentar soluções para os desafios internos e externos das empresas, como podem também reforçar propósito e causas, ampliar a percepção coletiva de que os valores são realmente norteadores de sua atuação (walk the talk) e ajudá-las a compreender seus stakeholders e suas demandas (envolvê-los no processo de inovação e evolução da empresa).

 Negócios inclusivos

“Onde a Votorantim tem uma unidade de negócio, sua presença proporciona crescimento econômico. O Instituto Votorantim atua para fazer com que esse crescimento econômico seja mais – represente desenvolvimento socioeconômico nas comunidades com foco nos ODS. Trabalhamos com o propósito de identificar demandas sociais e de qualificar a atuação social das empresas investidas pela Votorantim”, afirmou Filippe Barros, analista de Gestão de Programas do Instituto Votorantim.

Filippe Barros, analista de Gestão de Programas do Instituto Votorantim

Criado em 2002 para direcionar o investimento em responsabilidade social das empresas do Grupo Votorantim, o Instituto Votorantim tem o objetivo de assegurar que a presença de uma unidade Votorantim propicie melhoria na qualidade de vida das comunidades, o que resulta, também em um ambiente melhor para as empresas, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, definidos pela ONU.


“Queremos ser reconhecidos pelas empresas como um centro de soluções sociais a partir da interação com as comunidades”

Filippe Barros, analista de Gestão de Programas do Instituto Votorantim


 

“Queremos ser reconhecidos pelas empresas como um centro de soluções sociais a partir da interação com as comunidades. Nossa atuação segue quatro eixos temáticos: capital humano, capital social, capital institucional e dinamismo econômico. É nesse último que foi implementado o Programa ReDes, um programa orientado para geração de renda, que tem como meta fomentar negócios inclusivos nos municípios em que a Votorantim atua, com a proposta de mobilização social, redução da pobreza, ampliação da renda e melhoria das condições de trabalho”, conta Filippe.

Trata-se de uma parceria entre o Instituto Votorantim e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, com apoio das empresas do Grupo Votorantim, que tem por objetivo contribuir com o desenvolvimento sustentável de municípios brasileiros. Iniciada em 2010, a iniciativa acontece em 34 municípios, em 11 estados e no Distrito Federal, locais com indicadores socioeconômicos críticos e a presença de uma unidade da Votorantim na região.

O Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o BNDES e o Grupo Votorantim prevê o investimento de R$ 110 milhões (50% de cada um dos parceiros) no programa até 2020, apoiando cooperativas e associações para que possam gerir os seus próprios negócios inclusivos, sejam economicamente viáveis e possam gerar renda para o público beneficiado.

“Desde 2010, foram apoiados 64 negócios inclusivos, um investimento de R$ 30 milhões (R$ 610 mil em média por negócio) que beneficiou mais de 2 mil famílias. Esses projetos geraram uma renda total distribuída de R$ 18,5 milhões entre 2015 e 2017. Esse valor dividido pelo investimento total em projetos gera o indicador de 0,54 de payback social até 2017, medida que usamos para avaliar o resultado do programa. Para 2018, a expectativa é obter um payback de 0,84. E superar a marca em 2019. Acompanhamos o projeto por três a quatro anos, até que eles se tornem sustentáveis. Hoje, 57% dos projetos são considerados sustentáveis após o término do nosso acompanhamento”, explica Filippe.

Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Babaçu é o primeiro projeto do ReDes a gerar valor compartilhado. O projeto já foi desenhado dentro da cadeia de valor da Votorantim e irá trazer benefícios para a empresa e para o grupo produtivo. As associações irão fabricar óleo de babaçu e também irão vender coco babaçu para gerar energia para a unidade da Votorantim Cimentos de Sobral (CE). “É uma população muito vulnerável e o impacto do projeto será muito significativo. Esse projeto está relacionado a seis ODS, mas o mais importante é o cruzamento com a matriz de valor compartilhado, que foi utilizada no desenvolvimento do projeto”, explica Filippe.