Escassez de bons projetos dificulta investimento em negócios de impacto ambiental no país

Frederic de Mariz (UBS), Kim Machlup, Angélica Rotondaro (Alimi Impact Ventures), Andrea Minardi (Insper) e Roberto Pini (Floresta Viva). Da esq. para a dir.

Apesar da disponibilidade recursos e do enorme potencial de desenvolvimento de negócios em energia alternativa, agricultura de baixo impacto, valoração dos serviços hídricos e economia da restauração, o investimento de impacto em negócios ambientais ainda avança de forma lenta no Brasil 

Para debater os “Fatores de sucesso para a atração de investidores de impacto para negócios inteligentes para o clima no Brasil”, o Impact Hub e a Alimi Impact Ventures promoveram um bate-papo em São Paulo, no dia 5 de fevereiro, com representantes de fundos de investimento, organizações de crédito e empreendedores. A proposta para essa conversa surgiu de uma provocação: há modelos/projetos capazes de atrair investimentos? Esse tema realmente importa para os investidores?

O painel contou com a participação de Angélica Rotondaro, co-fundadora da Alimi Impact Ventures; Andrea Minardi, professora de Private Equity do Insper; Kim Machlup, consultora de investimentos de impacto socioambiental e ex-MOV Investimentos; Frederic de Mariz, diretor-executivo do Banco UBS; e Roberto Pini, fundador do negócio agroflorestal Floresta Viva.

Os recursos para serem investidos em negócios de impacto socioambiental existem, mas vários aspectos impedem o “casamento” com os projetos que, em geral, não estão maduros o suficiente. “Recentemente, perdemos um green bond de um banco suíço de R$ 2 milhões a R$ 10 milhões, para pagar em 20 anos, com taxa de juros suíça. Não identificamos nenhum projeto para receber o recurso. O que existia eram vários pequenos negócios. Penso que seria o caso de olharmos clusters de uma região, em que o médio envolve o pequeno. Caso contrário, vai ser muito difícil chegar a uma escalabilidade de impacto que possa interessar um fundo grande”, afirmou Angélica Rotondaro, cofundadora da Alimi Impact Ventures.

A consultora Kim Machlup relatou sua experiência na MOV Investimentos, onde começou a trabalhar em 2012. “A dificuldade era muito grande para encontrar bons negócios com modelos sólidos, escaláveis e bem estruturados. É preciso ter um olhar genuíno para entender o que significa esse tipo de negócio que procura viabilizar a solução para algum problema socioambiental. Para investir em um negócio, precisávamos analisar 100 negócios, até chegar naquele que realmente tivesse uma solução inovadora, apresentasse a possibilidade de sustentação financeira de longo prazo, a garantia de um mercado escalável e uma boa equipe para executar. Essa equação não é fácil”, afirma Kim.

Por outro lado, a consultora afirma que a disposição do mercado financeiro é crescente para olhar o investimento de impacto. “Há um movimento financeiro ganhando força de cinco anos pra cá. Cada vez fica mais claro que precisamos ter esse olhar”, afirmou Kim.


“Quando olhamos o mercado total de ativos sob gestão, cerca de 25% já apresentam alguma conotação sustentável. Isso é relevante porque há 20 anos nem se falava nisso. No UBS, temos a preocupação de olhar o futuro e os clientes pedem isso. Somos a maior gestora de ativos do mundo, com mais de US$ 3 trilhões.”

Frederic de Mariz, Banco UBS


Frederic de Mariz, do UBS, é economista e trouxe para o debate a visão do grande investidor. “Os green bonds foram criados em 2007 e hoje representam 2% do total dos títulos emitidos no mundo, vários bilhões de dólares. O Brasil está atrasado nesse movimento, que a Europa lidera, mas tem muita emissão nos Estados Unidos. O primeiro título verde foi lançado pelo Banco Mundial em conjunto com o Banco Europeu. A temática mais acelerada foi a área de transportes, energia e prédios inteligentes que gastam menos água e menos energia e têm a ver com a dinâmica verde. O agronegócio está crescendo nesse conjunto”, afirma Frederic.

Para o diretor do UBS, a adesão das empresas ao movimento verde pode parecer uma jogada de marketing para favorecer a marca. “Poderíamos dizer que isso é ruim, mas não importa. Todos nós ganhamos se a empresa tiver uma cultura sustentável e respeitosa com o ambiente. E por que a parte financeira, o CFO, não poderia se engajar nesse movimento? O outro aspecto positivo é que quando você coloca a empresa nessa ‘caixa’ verde sustentável e de impacto, você consegue não só aumentar a quantidade de clientes, mas também de investidores em potencial”.

Frederic contou que o banco fez recentemente uma emissão de bonds, acessando clientes da Alemanha, Ásia, Finlândia e outros. “Eles são sensíveis aos problemas socioambientais e aderem a essa missão. Não acredito que tenha que haver alguma regulação para obrigar as empresas a investir na área verde. O mercado, por si só, tem condições de incentivar isso. Graças aos investidores estrangeiros, o mercado brasileiro já percebe essa tendência e, cada vez mais, vai exigir isso. Posso dizer para vocês que fundos alemães, suíços e escandinavos já fazem perguntas sobre sustentabilidade quando falam com uma empresa brasileira”, afirma.

 Quando olhamos o mercado total de ativos sob gestão, cerca de 25% já apresentam alguma conotação sustentável. Isso é relevante porque há 20 anos nem se falava nisso.
No UBS, temos a preocupação de olhar o futuro e os clientes pedem isso. Somos a maior gestora de ativos do mundo, com mais de US$ 3 trilhões. Desenvolvemos vários produtos como um fundo de oncologia, que busca a cura para o câncer, outro fundo que trata de diabetes e alguns fundos de educação pra meninas na Índia. Qualquer temática pode servir para um fundo de investimento social/ambiental. O mercado financeiro pode ajudar a resolver qualquer problema. Essa é a nossa crença: usar o dinheiro para uma coisa que seja mais do que retorno financeiro, ter um retorno social e ambiental a mais”, explica Frederic.

Mapeamento

Angélica Rotondaro trouxe a experiência da Alimi Ventures. “Começamos a pensar no que poderia trazer escalabilidade para o investimento de impacto no Brasil. Nos últimos 10 anos, esse é um tema que está crescendo, mas as perguntas não têm respostas simples. O nosso foco foi investimento de impacto em agricultura para o clima e, apesar de não sermos uma empresa de estudos e diagnósticos, desenvolvemos mapeamento para avaliar: quem está fazendo, como está fazendo e quais são os indicadores de impacto e os riscos. O estudo analisou 50 iniciativas no Brasil e um dos critérios para ser incluído no mapeamento era conexão do negócio com o mercado. Foram selecionadas sete iniciativas e, com isso, a gente tem um material consistente para apresentar para os investidores”, explica Angélica

Andrea Minardi estuda o tema capital empreendedor. Na sua avaliação, é preciso construir um ecossistema com empreendedores dando ideias de novos negócios, aceleradoras que proporcionem mentoria e capital paciente, apropriado para acompanhar o desenvolvimento do negócio, sem prazo. “Os fundos funcionam como investimento para 10 ou pelo menos 5 anos. Eles vão ter que vender a sua participação no negócio, que talvez não tenha tido tempo para ser maturado. Enquanto a companhia não está tendo lucro, ela vai precisar de outros fundos para apoiá-la até que chegue, por exemplo, a um fundo de Venture ou ao mercado de capitais. Isso não acontece de uma hora para outra. Para crescer, o empreendedor vai precisar de vários financiamentos”, comenta.


“Quando a gente resolveu investir na Oregon, uma empresa que fabricava sistemas de energia solar, não havia regulamentação dessa área. O que havia era um empreendedor disposto a fazer acontecer. Foram muitos anos até que a empresa conseguisse se estabelecer e concretizasse seu modelo”

Kim Machlup, consultora


Capital paciente é importante quando o empreendedor está construindo negócio que vai depender de um mercado. “Quando a gente resolveu investir na Oregon, uma empresa que fabricava sistemas de energia solar, não havia regulamentação dessa área. O que havia era um empreendedor disposto a fazer acontecer. Foram muitos anos até que a empresa conseguisse se estabelecer e concretizasse seu modelo. Resiliência e paciência são qualidades fundamentais para um empreendedor”, conta Kim.

Case de sucesso

O destaque do debate foi o relato do engenheiro agrônomo Roberto Pini, um dos empreendedores que encabeçam o projeto Floresta Viva, no Vale do Ribeira (SP), o primeiro a receber investimento do Fundo Moringa (Rothschild) no Brasil. A Floresta Viva foi escolhida recentemente pelo Alimi Impact Ventures como um dos sete empreendimentos inovadores em agricultura no Brasil por seu impacto positivo, modelo econômico estruturado e alto potencial de escalabilidade.

Em sua primeira aposta no mercado brasileiro, o Moringa é um gestor francês de fundos de investimentos de impacto – que exigem retorno socioambiental, além de financeiro. Com a proposta de investir em projetos agroflorestais, o investimento poderá chegar a R$ 18,5 milhões até 2019.

O palmito pupunha é o carro-chefe do sistema que está sendo desenvolvido, uma tecnologia que recupera áreas degradadas aumentando a biodiversidade e a quantidade e qualidade da matéria orgânica agregada ao solo, melhorando a fertilidade e elevando a rentabilidade da produção. O projeto inclui o plantio de banana, mamão, eucalipto e árvores de madeira de lei, como o mogno africano e o guarandi, para compor o equilíbrio biológico por meio de uma cadeia de proteínas, moléculas e micro-organismos.


“Existem 2 milhões de pessoas que passam fome no mundo. Além de usar tecnologias que degradam o meio ambiente, os grandes negócios de monocultura também estão expulsando o ser humano do sistema. Projetos de impacto como o Floresta Viva são arrojados e partem do desconhecido.”

Roberto Pini, Floresta Viva


Roberto Pini alerta para a urgência de se pensar em questões ligadas à sustentabilidade, alimentação e ao pequeno produtor rural. “Existem 2 milhões de pessoas que passam fome no mundo. Além de usar tecnologias que degradam o meio ambiente, os grandes negócios de monocultura também estão expulsando o ser humano do sistema. Projetos de impacto como o Floresta Viva são arrojados e partem do desconhecido. Todo fundo de investimento deveria ter um capital a fundo perdido para investir no desconhecido, no desbravamento. Os diretores financeiros de grandes bancos só pensam em números, compliance, em resultado. O cash flow tem que ser cumprido e isso entra em conflito com impacto”, comenta Pini.

O sistema de agrofloresta pressupõe que a natureza, quando em equilíbrio, se autorregula. Cada micro-organismo tem o seu papel fundamental para a harmonia do todo. A tecnologia do Floresta Viva emprega pó de rocha, calcário e esterco de galinha. “Entre uma linha e outra, nós cultivamos leguminosas e capim que chamamos de ‘usina de NPK’, uma fonte de nitrogênio e de vida. Com essa alimentação de matéria orgânica, conseguimos dar uma alavancada no sistema porque a terra é totalmente degradada, não tem mais vida praticamente no solo. Os micro-organismos são o que mantém a vida no planeta, a floresta viva. O sistema agroflorestal não precisa receber inputs de fora, ele se transforma em uma floresta viva. Com as podas e resíduos da colheita mais alimentação inicial ele é perene. Diferente de uma horta orgânica que precisa ser alimentada de tempos em tempos”, conclui Pini.