Empreendedorismo negro, um caminho para combater a desigualdade e reforçar o desenvolvimento econômico

Jessica Silva Rios, da Vox Capital; Taynara Alves, da InQuímica; Luanna Teófillo, do Painel BAP; e Sérgio All, da Conta Black

O que Conta Black, InQuímica e Painel BAP têm em comum? Histórias inspiradoras de empreendedorismo negro, com soluções de impacto para esse segmento da população brasileira. Segundo o IBGE, a população negra movimentou R$ 1,6 trilhão em 2017, o que equivale a 24% do PIB brasileiro.

Uma fintech que tem como bandeira a educação financeira e o empoderamento financeiro dos afrobrasileiros; uma startup científica que alia pesquisa e tecnologia para descontaminar o solo e garantir uma alimentação saudável e inclusiva; e uma plataforma de pesquisa de mercado especializada no público afro, que tem com meta fortalecer a voz da comunidade negra e aumentar a sua influência no mercado. O que esses três negócios de impacto têm em comum? Conta Black, InQuímica e Painel BAP são negócios criados por empreendedores negros e de regiões da periferia, da base da pirâmide, motivados pela necessidade, por uma dor a superar ou mesmo em resposta a episódios de racismo. Suas histórias, motivações e planos para o futuro foram debatidos na terceira edição do Conversas de Impacto, realização do Impact Hub, Vox Capital e Sistema B, que teve como tema “Protagonismo Negro”.

Segundo dados do IBGE, dos 207,1 milhões de brasileiros que compõem a população hoje, 56% são negros; e até 2020, os negros representarão 8 entre cada 10 brasileiros. Em 2017, em meio à crise econômica que atingiu o país, a população negra movimentou R$ 1,6 trilhão, o que equivale a 24% do PIB brasileiro e representa crescimento de 7 pontos percentuais, comparado ao ano anterior.

Outra pesquisa, feita pelo Data Popular, aponta que já em 2007 o rendimento anual da classe média negra estava em torno de R$ 337 bilhões, passando a R$ 554 bilhões em 2010, com crescimento de 38%. E, de acordo com levantamento feito pelo Sebrae, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), 50% dos donos de negócio são afrodescendentes, 49% são brancos e 1% pertencem a outros grupos populacionais.

Como os afroempreendedores conseguem se manter e ainda fomentar a economia do país? Nem 30% dos empreendedores são empregadores (possuem ao menos um empregado) o que demonstra que a população negra a partir de seu poder de inovação busca abrir seu próprio negócio para sobreviver à recessão e ao desemprego. Consumo e empreendedorismo da comunidade negra não são, portanto, mais um nicho de mercado, mas uma realidade. “Estamos falando da maior parcela dos consumidores do país e de organizações que fortalecem o protagonismo negro”, apontou Jessica Silva Rios, sócia da Vox Capital, que mediou o painel.

Racismo econômico

Luanna Teófillo criou há dois anos o Painel BAP e comanda uma equipe preta e da periferia. Trata-se do primeiro painel de consumidores afro-brasileiro. O nome carrega uma sigla cheia de significado – Black American Princess –, usada para se referir às mulheres negras de classe média norte-americana. Usando tecnologias modernas para desenvolvimento de pesquisas de mercado quantitativas, o Painel BAP ajuda empresas e organizações a alcançarem seus objetivos e a garantir que haja diversidade nos estudos de opinião. Além de dar voz e aumentar a representatividade da população negra por meio de pesquisas de mercado, o Painel atua também documentando e registrando as necessidades e demandas do momento atual.


“A minha hipótese é de que o sistema econômico brasileiro é o racismo econômico, uma ideologia racista com uma economia no meio. O Brasil ainda vive em um sistema de castas e não de classes.”

Luanna Teófillo, Painel BAP


“A ditadura da ‘chapinha’ acabou quando uma empreendedora negra resolveu desenvolver produtos específicos para seus cabelos. Em 10 anos, a situação mudou. Hoje não há uma drogaria ou salão de cabelereiro, por mais simples que seja, que não tenha produtos para cabelos de mulheres negras. O empoderamento estético é um bom case de como a tecnologia periférica e preta pode se transformar em negócios de verdade, impulsionados pela internet. As empresas perceberam essa movimentação do mercado e passaram não apenas a criar produtos especiais, mas a conferir protagonismo para as mulheres negras. Foi uma mudança cultural”, destaca Luanna.

Sérgio All, da Conta Black: a primeira conta digital voltada para negros

Mas nem sempre a resposta segue o mesmo padrão. Na área de entretenimento, o exemplo mais gritante é o filme Pantera Negra, maior sucesso de bilheteria de 2018 e forte candidato a melhor filme do Oscar. “Pantera Negra foi mais do que um filme. Foi um fenômeno cultural e social, um símbolo do empoderamento negro e da diversidade. Mobilizou famílias inteiras: em três meses 2 milhões de pessoas assistiram ao filme da Marvel e quem acompanha esse tipo de filme sabe que eles desencadeiam uma cultura de consumo. Mas sabe quantos produtos foram lançados com a marca Pantera Negra? Nenhum. Como é possível um filme que levou 2 milhões de pessoas aos cinemas e teve uma bilheteria de R$ 150 milhões não ter gerado nada de propaganda ou de merchandising? Se 1% dessas pessoas quisessem comprar uma caneta com a marca Pantera Negra não encontraria, nem na rua 25 de março. O filme não gerou uma resposta padrão a altura apesar do fenômeno econômico e cultural”, afirmou Luanna.

Luanna vive no mundo dos números e ainda assim se surpreende com o pouco impacto que a comunidade negra provoca. Afinal, são 100 milhões de negros, R$ 1,7 trilhão de movimentação financeira e uma massa cheia de inteligência e tecnologia de 52% de empreendedores. Mas porque os números do Brasil representam tão pouco? Depois de muita reflexão, Luanna chegou à conclusão de que, no Brasil, a questão é estrutural e tem a ver na forma como as coisas se encaixam no nosso sistema econômico, no que ela chama de ‘racismo econômico’.

“O sistema econômico brasileiro não é comunista, já que o Estado não detém os meios de produção, nem tampouco é socialista porque o Estado não intervém na economia. Mas será que é capitalista de fato? A minha hipótese é de que o sistema econômico brasileiro é o racismo econômico, uma ideologia racista com uma economia no meio. O Brasil ainda vive em um sistema de castas e não de classes. Meus antepassados serviram aos senhores brancos e eu continuo a fazer isso. A base do capitalismo é a propriedade privada, livre concorrência e iniciativa, poder empreender. Com a abolição da escravatura, os negros foram liberados para serem cidadãos, mas não para terem acesso à propriedade e ao mercado. A base do Brasil é branca e os negros não são incluídos como cidadãos que podem consumir, podem ser contratados pelas empresas e podem empreender. Se o Brasil fosse capitalista, todos teriam interesse em ganhar dinheiro, inclusive dos negros. Ou o Brasil muda ou as estruturas serão abaladas com a força dos afroempreendedores e do afroconsumo”, argumenta Luanna.

Para a fundadora do Painel BAP, o mais interessante do afroconsumo é que ele tem por essência o desenvolvimento comunitário e econômico. “Essa é a grande inovação!”

 O agro é pop, é tech… mas não é negro

Taynara Alves é cientista e uma pioneira do empreendedorismo negro e científico. Fundou a InQuímica, uma startup de pesquisa e desenvolvimento que atua no setor de alimentação.

“Agroquímicos, defensivos agrícolas, solo contaminado, fertilizantes químicos e diversos metais pesados podem estar presentes nos alimentos que consumimos todos os dias.

Imagina se houvesse uma solução fácil, rápida, acessível e que retirasse até 85% dessas substâncias dos nossos alimentos? É o que buscamos solucionar para garantir uma alimentação mais saudável e inclusiva”, destaca Taynara.


 “No Brasil, ciência já é uma coisa difícil – afrociência então… Fico muito feliz em fazer parte desse movimento e a ideia é tornar a alimentação mais inclusiva.”

Taynara Alves, InQuímica


Taynara está cursando gestão de negócios na FATEC e foi selecionada e premiada no Artemisia Lab Alimentação. Realizada em parceria com a Fundação Cargill, a iniciativa avaliou 261 negócios voltados para a baixa renda.

“No primeiro evento que participei, já com a minha startup, pude constatar a força do agronegócio com seu PIB gigante. Essa é a cara do Brasil. O agro é pop, é tech, mas não é negro. Os participantes eram todos brancos e ricos, havia poucas mulheres. Isso me deu a motivação para continuar o meu trabalho. Quero descontaminar o solo. Não foram os escravos que fizeram isso. Eles não tinham indústria para estragar a terra, essa culpa não temos. Isso precisa mudar e, quando acontecer, será para todos”, explica Taynara.

3a edição do Conversas de Impacto com Vox, Sistema B e Impact Hub: temas que impulsionam a reflexão e a integração de diversos atores

A fundadora da InQuímica destaca que o empreendedorismo científico protagonizado por uma mulher negra é muito significativo. “No Brasil, ciência já é uma coisa difícil – afrociência então… Fico muito feliz em fazer parte desse movimento e a ideia é tornar a alimentação mais inclusiva. Os produtos orgânicos são mais caros e nem todos têm acesso a eles”, comenta Taynara.

A força do Black Money

Publicitário há 20 anos, Sérgio All sentiu “na pele” as dificuldades que toda a comunidade negra sente. “A Conta Black nasceu de uma ‘dor’. Tinha uma agência e precisei fazer a troca dos equipamentos. Procurei o gerente do banco e pedi um crédito. Ele duvidou da minha capacidade de pagar ou simplesmente não foi com ‘a minha cara’. Eu fiquei pensando em quantas pessoas iguais a mim ouviram um não e tiveram seus sonhos destruídos. Fui acompanhando a evolução da tecnologia e, quase dez anos depois, descobri uma ferramenta que permitiu criar a Conta Black, a primeira conta digital voltada para negros no Brasil. A iniciativa deu voz aos negros e permitiu que nos organizássemos financeiramente”, conta Sérgio.

As tecnologias disruptivas levantaram questões relacionadas ao poder dos bancos, principalmente no Brasil. “O mercado não tinha números sobre o potencial de consumo da comunidade negra. E nós, temos? Estamos aprendendo com o mercado, mostrando o nosso potencial de consumo porque a única solução é o dinheiro. Estamos acordando para essa realidade. O futuro é dinheiro preto”, explica Sérgio.

A trajetória da Conta Black já está definida: oferecer uma ferramenta financeira e incentivar a educação financeira. “Chegou o momento de mostrarmos ao mercado que somos potência financeira e não só de consumo para que as instituições financeiras entendam o poder transformador da população negra quando se tem acesso a crédito”, afirma Sérgio.