Como e por que você deve cuidar da relação societária na sua startup

Participantes do webinar Relacionamento entre Sócios, promovido pelo Quintessa

Comunicação, muita confiança e sinergia com o momento de vida do negócio são as condições básicas que estão na base das relações societárias. Os especialistas que participaram do webinar Relacionamento entre Sócios, promovido pelo Quintessa, debateram ainda as boas práticas para lidar com desentendimentos e o perfil do sócio ideal.

 Conflitos societários que podem atrapalhar o andamento dos negócios foram debatidos pelos empreendedores convidados e mentores especialistas no encontro online Relacionamento entre Sócios, promovido pelo Quintessa no dia 25 de março, que foi mediado por Anna de Souza Aranha, diretora (para assistir à integra, acesse o link). Participaram do webinar Lucas Arthur, empreendedor da Telavita; Olga Martinez, ex-CEO da Diageo e mentora do Quintessa; e Amedeo Papa, fundador da Pracis e mentor do Quintessa.

“O relacionamento entre sócios é um tema muito vivo durante as nossas acelerações. Por isso, resolvemos montar esse painel com especialistas para compartilhar conhecimento”, explicou Anna. Em sua primeira argumentação, começando pelo aspecto positivo, pediu a Olga Martinez que falasse sobre os elementos essenciais que podem ser identificados em uma sociedade desde o início. Além de mentora e conselheira do Quintessa, Olga é fundadora da consultoria Amélie, que atua na transformação das organizações por meio de estratégias sistêmicas e de propósito, combinando perspectivas humanas, comerciais e de construção de futuro.

Para Olga, “a participação em um negócio representa uma aventura em que você vai ter uma implicação pessoal, colocar uma expectativa e uma aposta. Então o primeiro passo é estar super alinhado com propósitos, com valores, no que vocë está investindo ou participando. Você pode fazer parte da sociedade e deixar rolar. Mas se você vai fazer parte do time e participar da dinâmica da sociedade esse alinhamento de valores com os sócios é fundamental. Como também manter um espaço entre os sócios de transparência, de honestidade, de uma escuta ativa é essencial. As coisas se resolvem quando os interesses são comuns. Quando acontece uma divergência, começam as diferenças, os problemas, as brigas, enfim, a coisa pode ficar muito feia. Principalmente quando são empresas familiares, o elemento emocional toma uma dimensão muito maior. Então tem que tomar muito cuidado em relação a como gerar essa base, que deve ser construída com governança clara, com transparência, com exercícios de confiança, de forma intencional e efetiva”.


“A combinação de comunicação e confiança pode fazer uma diferença grande principalmente nas zonas de desentendimento” 

Lucas Arthur


E como saber qual o perfil ideal do sócio? Para Lucas Arthur, empreendedor da Telavita, startup de saúde digital que oferece consultas online com psicólogos, existem vários formatos de sócios, aqueles que participam com investimento ou com conhecimento. “Para mim, faz muito sentido a comparação que se faz entre sociedade e casamento, porque vem daí toda a complexidade desse tema. Esse é um assunto extremamente delicado, acho que não existe uma fórmula final para você encontrar um sócio perfeito. O certo é que a comunicação se mostrou uma das ferramentas mais eficientes para resolver os problemas que aparecem. Diante de um impasse temos que verificar porque o plano original está errado e reinventá-lo constantemente. Só a comunicação porém, sem confiança, não funciona. Então acho que a combinação de comunicação e confiança pode fazer uma diferença grande principalmente nas zonas de desentendimento.”

Anna Aranha destacou que nas acelerações há uma demanda grande por boas práticas que se aplicam a qualquer relacionamento.“A diferença é que estamos falando de empreendimentos que envolvem risco e a vida de outras pessoas, características que tornam um desafio consolidar um bom relacionamento.” Aprender com exemplos que deram errado e mitigar os elementos comuns encontrados nessas situações é um ponto importante.


O lado racional é fundamental, mas o sentir também é muito importante.

Amedeo Papa


 Amedeo Papa, mentor do Quintessa, mediador pela FGV e sócio-fundador da Pracis (empresa dedicada à governança corporativa e familiar, prevenção e resolução de disputas empresariais, e capacitação de executivos e familiares), “é melhor um fim com terror do que um terror sem fim”. “Estou totalmente alinhado com as boas práticas, mas infelizmente quando a coisa escorrega o final não é feliz. O nosso cérebro também é um pouco treinado para prestar mais atenção no negativo do que no positivo. Mas nós podemos e devemos falar das experiências não tão bem sucedidas porque elas nos ensinam muito. Aprender com o erro dos outros é, muitas vezes, mais barato do que errar por conta própria, mas nós vamos errar e faz parte”.

Um ponto destacado por Amedeo é a importância da parte emocional em uma relação societária. “Existe uma propensão em buscar mecanismos que são muito técnicos, muito racionais para solucionar os problemas. Ou mecanismos de saída seja procurando um advogado, escrevendo uma cláusula, ou prevendo regras no valuation. A questão é que, muitas vezes, na minha experiência de mediações ou em trabalho com família, a subjetividade está presente. Muitas vezes o conflito surge e a discussão é o dividendo ou o pró-labore, temas considerados racionais em um primeiro olhar. É igual a um casamento em que há uma questão não discutida, não trabalhada e que emerge numa situação de crise. O lado racional é fundamental, mas o sentir também é muito importante. Mas como se faz esse repertório de acolher sentimento, de dizer que está com medo, expor que não tem um plano B, que o meu dinheiro não é suficiente, tenho pavor de dever para banco? São tantas as questões que surgem e que são fundamentais”.

O que não funciona, segundo Amedeo, é escalar conflito e querer recrutar pessoas para endossar uma tese, que geralmente está em casa e na família. “Por isso que as pessoas deixam de negociar ou de falar diretamente e procuram uma terceira pessoa para ajudar na comunicação. Quando isso não funciona são obrigados a recorrer ao judiciário ou à arbitragem”.


“O modelo de Vesting é muito utilizado para transformar colaboradores em sócios estratégicos”

Lucas Arthur


O momento de vida dos sócios também é relevante. “Qual a faixa etária de cada um? Qual a fase de vida? Um está tendo filho, outro está casando, outro separando, alguém pode estar com os pais doentes”, diz Amedeo. Outro ponto que é prato cheio para confusão, segundo ele, é quando os papéis e responsabilidades não estão bem definidos. Não importa o tamanho do negócio, é preciso ter um pouco de organização e governança – quem cuida do marketing, do financeiro, etc. “Não dá para ficar discutindo essas coisas na hora do café, tem que ter uma liturgia, um propósito, um processo.”

Quando o momento chega de precisar de um sócio para o negócio, várias questões são levantadas. Quais são as dicas para quem está nessa fase? “Como atrair pessoas certas, onde buscar, quanto tempo levaria essa adaptação”, questionou Anna Aranha a Lucas Arthur, da Telavita.

“Importante destacar mais uma vez que existem diversos tipos de sócios: o investidor, que geralmente tem um papel mais financeiro de colocar recursos para acelerar o negócio e que pode ser mais ativo ou menos ativo; o cofundador, que divide as atividades; e um terceiro tipo, sócio que pelas suas habilidades vai adquirindo uma parcela do negócio, como parte do pagamento. Mais uma vez acho que não existe uma fórmula certa, como não existe uma fórmula para encontrar o amor da sua vida. Já vi muitas sociedades boas nascerem em ambiente universitário, que é sempre muito rico de ideias, ou em eventos, por exemplo. É preciso ter clareza de qual é o perfil do sócio que você está procurando, eventualmente pode ser o perfil do mercado que você quer explorar; ou um sócio complementar, que tem conhecimento sobre o mercado que você quer entrar. O LinkedIn é uma maravilhosa ferramenta de busca de pessoas que têm o conhecimento e a experiência que você considera relevantes.Tem muita gente que já tem uma clareza do que quer fazer, que tem um perfil empreendedor, e que pode ser um ótimo sócio, mesmo tendo menos experiência inter-relacional ou de gestão”, afirma Lucas Arthur.

Para Lucas, “o modelo de Vesting é muito utilizado para transformar colaboradores em sócios estratégicos, como forma de aumentar o vínculo de uma pessoa com o negócio, como uma espécie de remuneração. É um modelo extremamente eficiente, uma vez que vai oferecendo um pacote de ações por um determinado tempo, atrelado a alguns indicadores como metas, o que permite que a relação de sociedade seja construída ao longo de um tempo. Ou ainda perceber ao longo do tempo que aquela pessoa não era a pessoa correta. Aí poupa tanto a empresa quanto a pessoa”.

Outro mecanismo que se aplica, segundo Lucas, é ter um período mínimo para fazer a primeira transferência, pode ser mês a mês, ou por semestre. “Quando você transfere o primeiro montante para essa pessoa, ou você se sente confortável ou pode rever o acordo, alinhar expectativas e continuar nesse processo de mês a mês, semestre a semestre. Usei esse modelo em um caso de sócio por habilidade, para complementar o time de gestão e, em outra ocasião, no caso de um sócio operacional, o que também funcionou bastante”, destaca Lucas.

A tendência, não aconselhável, é a de debater questões de sociedade e divisão de ações apenas sob demanda, quando chegou a hora de fazer uma venda, ou um investimento, ou quando está dando tudo errado e o negócio está a ponto de falir. “O problema é que esses momentos vêm amarrados com uma série de emoções e isso se torna muito complexo. ‘Agora a gente fechou esse contrato eu quero mais! Eu fiz mais que você! Ou agora que a gente está falindo eu quero menos ou fiz menos’.


“É importante pensar que tipo de sócio eu quero ser ou vou ser, porque parece que nós somos os perfeitos, competentes e bem intencionados”

Olga Martinez


Na busca por um sócio, segundo Anna Aranha, “fazemos idealizações, vemos relações muito distintas, algumas de amigos, sócios que são amigos, viajam juntos, a família é super próxima e outras relações que são muito mais práticas, muito mais frias. O que é o ideal, como acertar essa expectativa?”, perguntou a Olga Martinez.

“É importante pensar que tipo de sócio eu quero ser porque parece que nós somos os perfeitos, competentes e bem intencionados. Ou vou ser, como vou ouvir, como vou ser transparente. Acho que isso vai atrair um tipo de sócio para você e ajudar a entender quem combina ou não combina com você. Para mim, isso tem funcionado e, nos momentos de tensão, dos projetos que não têm dado certo, o mais valioso é eu estar em paz comigo mesma, com o que é importante para mim. É preciso pensar que tipo de sócio você quer ser, porque na hora H você vai agir como você é. As pessoas que vão ser atraídas para uma possível parceria com você serão as que combinam com o jeito que você está projetando, afirma Olga.”

Sobre o quanto ser amigo do sócio, Olga acredita que não há uma medida, mas coloca que é quase inevitável que a parceria com gente que é muito amiga acaba por levar a brigas com uma certa frequência, ou mesmo a uma ruptura. “Você tem que se preservar porque quando entra esse lado de amizade muito forte e acontece o problema, você vai ficar mal. Já aconteceu comigo e não foi nada agradável. Acho que a dosagem vem de dentro de nós e não existe uma fórmula para isso.”

E quando já tentamos e não dá certo, quando vale a pena insistir? Quais os caminhos para fazer a saída desse sócio? Alguns casos podem virar um entrave; um dos sócios quer sair o outro não tem grana para comprar a parte dele, ninguém quer pagar para alguém sair, os investidores querem investir dentro da empresa para fazer render esse recurso e não para que alguém saia. “O que fazer”? colocou Anna aos participantes do webinar.

Para Lucas, “a relação societária é extremamente complexa, tem uma série de derivações, subconjuntos, subacordos. Realmente é um tópico que merece um estudo específico e profundo. Tem a ver com o viés da empresa e colaboração funcional, o que pode ser necessário para a empresa ser cada vez mais eficiente, cada vez mais produtiva e ter mais sucesso. A partir do momento que isso não está acontecendo seja por um problema de relação interpessoal ou outro motivo há nitidamente uma questão de comunicação que está afetando a operação. Nem sempre é fácil conseguir que alguém entre com a participação, compre a parte de um projeto que está perdendo recurso que até então era essencial. Nem sempre é fácil chegar a um acordo, a não ser que ele esteja extremamente explicitado anteriormente. Conseguir chegar a um acordo ideal para sair e vender ou ficar, não é simples.Tive duas experiências assim: compramos a participação de um sócio, ele saiu porque para ele não fazia mais sentido. Não estava funcionando mais. No final, tivemos sorte porque conseguimos encontrar uma pessoa, que foi extremamente complementar no momento.”

Para Amedeo, “quase tudo na vida é uma questão de dosimetria. Se exagerar na dose do remédio, matamos o paciente. Qual é a dose certa de insistir numa relação, seja societária ou afetiva, até que ponto? Na minha experiência tem que ter uma insistência inicial porque às vezes dá para funcionar de novo num outro formato. Quando não é uma questão tão intensa de mudança, paternidade, maternidade dá para assiimilar. Em uma startup é tudo rápido, todo mundo é jovem e amigo. É natural, você vai montar um negócio com os amigos mesmo, tem que experimentar. Você não pode romper de cara sem dar oportunidade. Por outro lado, insistir pode virar teimosia. Começa a ficar uma coisa dogmática, uma coisa muito tóxica para uma sociedade, que deixa de ser funcional.”

Olga por sua vez complementa dois aspectos: “Quando se chega ao ponto de não vai dar mais, geralmente o processo já estava ruim, a relação já não funciona. Então a minha recomendação é quando você sentir que a coisa está feia, antes de ficar muito feia, tenha uma conversa. Comece a falar sobre possiblidade de saída, de fazer um teste. Porque é muito mais fácil nessa fase do que quando realmente a coisa está aquecida. Evite as variáveis muito emocionais, que tornam tudo mais difícil. Se vai ocorrer uma saida e não há acordo, a relação fica muito tensa. Antes de tomar decisões, recorra a um mediador ou a um advogado, porque muitas vezes você não sabe o que uma pessoa magoada pode fazer ou o que alguém que está passando por um momento de vida muito critico pode ter como reação. Então nessa hora você tem que dar uma blindada também. E também fazer valer o cenário pessimista porque esses cenários acontecem o tempo todo em relações que você jamais esperaria. Procurar a assessoria de um advogado é super importante.”