Como ampliar as possibilidades de investimento em negócios de impacto da periferia

Ouvir a população local, entender as demandas, construir soluções em conjunto, conhecer as potencialidades, cruzar a ponte e dialogar com os espaços de poder do centro, investir na formação dos empreendedores, ousar assumir riscos, manter o foco e conquistar resultados. Estes são os principais desafios a vencer para ampliar as possibilidades de investimento em negócios de impacto da periferia, debatidos durante o 2º Fórum Negócios de Impacto da Periferia (FNIP).

São muitos os caminhos em aberto para ampliar o fluxo de recursos para negócios de impacto da periferia. Do lado dos investidores, há a necessidade de apurar a escuta em relação às demandas, investir na capacitação, conhecer as potencialidades e ousar assumir riscos. Do lado dos empreendedores, é preciso manter o foco no propósito, a criatividade, reforçar o diálogo, falar a língua do mercado e conquistar resultados. Para debater as oportunidades de investimento disponíveis para negócio de impacto da periferia, o 2º Fórum Negócios de Impacto da Periferia (FNIP), realizado no dia 8 de agosto em São Paulo, realizou o painel Possibilidades de Investimento na Base.

O debate reuniu três representantes do capital privado (institutos e fundações) e um do setor público, que apresentaram seus pontos de vista, os desafios e o que precisa acontecer para os negócios de impacto da periferia (NIPs) atraírem investimentos e se inserirem no mercado. Cosme Bispo, da Fundação Lemann, moderou o painel, que contou com a participação de Lilian Sturm, coordenadora de Investimento Social da Fundação Via Varejo; Fábio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin; e Daniela Arantes Alves Lima, chefe do Departamento de Gestão Pública de Municípios e Inclusão Produtiva do BNDES.


“O BNDES  passou a ter uma atuação mais efetiva com a formação dos conselhos comunitários, que tinham o objetivo de ouvir a população local e suas demandas. Outra exigência foi ter as lideranças locais e lideranças dos movimentos participando do processo.”

Daniela Arantes Alves Lima, chefe do Departamento de Gestão Pública de Municípios e Inclusão Produtiva do BNDES


Daniela Arantes, do BNDES, destacou a importância de estar próximo às comunidades para ouvir as demandas e oferecer soluções. “Durante algum tempo, o Banco achou que tinha a solução para determinados problemas sociais. Demoramos para perceber que as soluções para determinadas questões não deveriam ser criadas pelo BNDES, a partir de uma visão isolada. A solução deveria ser construída em conjunto com o público do território em que nós deveríamos trabalhar”, disse Daniela. Com essa percepção, foi criado em 1997 o Fundo Social e o sistema de microcrédito.

Em 2008, o BNDES começou a atuar por meio de parcerias para conseguir entender melhor as demandas dos territórios. “Estabelecemos muitas parcerias com os estados da federação, com municípios, institutos e fundações privadas. Mas ainda assim percebíamos que, mesmo o parceiro estando mais próximo do público, atuando no território, faltava alguma coisa. Por volta de 2012 conseguimos ter uma atuação mais efetiva porque começamos a exigir dos nossos parceiros a formação de conselhos comunitários para ouvir a população local e suas demandas.

Outra exigência foi ter as lideranças locais e lideranças dos movimentos participando do processo. A mesma coisa com os projetos de agroecologia, que contou com a participação de pessoas que entendiam do assunto. Dessa forma, estávamos construindo soluções”, conta Daniela. Na visão dela, é importante sempre perguntar aos que estão na periferia quais as reais demandas e como o banco pode ajudar. Só assim, acredita, é possível construir soluções em conjunto.

Periferia conhece melhor as suas potencialidades

Na avaliação de Lilian Sturm, da Fundação Via Varejo, por muito tempo se pensou que negócios de impacto não eram produzidos nas periferias e tinham a ver só com grandes startups. “Ao longo do tempo viu-se que quem conhece melhor as potencialidades e o que precisa ser feito nas periferias são as pessoas que estão na periferia. Ao mesmo tempo, as fundações e institutos começaram abrir o olhar para as empresas que têm potencial. O desafio hoje é fazer a ligação com os grandes investidores. Outra questão importante é a formação dos empreendedores. Eles têm que se ver como negócios e de impacto. Muitas vezes as pessoas estão lá estão com seus negócios, mais não se veem como empreendedores que estão causando impacto”, afirma Lilian.


“Evitar distrações e convergir no que une os diferentes movimentos e organizações. É preciso focar naquilo que nos une, não no que nos separa.”

Fábio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin


De forma bem-humorada, Fábio Deboni, do Instituto Sabin, falou sobre os desafios do campo dos negócios de impacto periféricos – 5 Desafios com a letra ‘C’:

  1. Convergência – Evitar distrações e convergir no que une os diferentes movimentos e organizações. Faz mesmo sentido discutir se a ‘tia da coxinha’ é um negócio de impacto ou não? É preciso focar naquilo que nos une, não no que nos separa.
  2. Conexão – É preciso cruzar a ponte e dialogar com os espaços de poder do centro sem se perder neste sentido. Daí a importância de lideranças deste movimento circularem em espaços para além das quebradas, para enfrentar as desigualdades.
  3. Criatividade – Para além da criatividade que abunda nas quebradas é preciso também ser criativo na narrativa, ou seja, saber falar a língua do mercado e dos diferentes. Aprender a língua do mercado é fundamental.
  4. Casa – Além de entregar um bom produto ou serviço os NIPs precisam ser bons também na “cozinha”, ou seja, serem ágeis na parte administrativa pois muitas vezes batalhas são perdidas aí. Conseguir uma operação que funcione.
  5. “Bundão” futebol clube – Fundações e empresas falam muito de ousadia, mas topam assumir poucos riscos na prática. Este desafio veio com uma observação de Fábio Deboni: “Fique à vontade, leitor(a) pra trocar essa última palavra por uma que comece com a letra C“.

Lógica dos indicadores  

O Fundo Social é o braço de investimento social do BNDES, que é um banco de desenvolvimento. “Mas o que pode convencer o Banco que é importante fazer investimento social?”, ponderou Daniela. “Afinal, um banco tem que ser sustentável, tem que dar lucro e, por isso, foi criada a lógica dos indicadores. Tudo passa pelo diálogo, pela tentativa o retorno que pode não ser financeiro, mas sim de imagem para a instituição. De toda forma, mesmo sendo doação, tem que haver algum tipo de contrapartida. Quando não há nenhum retorno, é um problema”, explicou Daniela.

Um bom exemplo, segundo Daniela, foi a colocação de mais de R$ 300 milhões do Fundo Social em um programa de instalação de cisternas na região do semiárido brasileiro. Recursos não reembolsáveis que beneficiaram mais de 130 mil pessoas. “Uma ação como essa muda a vida de uma família, que não tinha acesso a água. Não dá para viver sem água e essas pessoas passaram a viver no local que elas tinham nascido, onde tinham suas raízes. Não vão mais engrossar centros urbanos de uma forma desordenada. Foi esta a argumentação apresentada à diretoria para provar que uma ação como essa, baseada em um custo unitário de R$ 10 a R$ 15 mil, muda a vida de uma família”, disse Daniela.


“Trabalhar em rede e focar no propósito são aspectos importantes.”

Lilian Sturm, coordenadora de Investimento Social da Fundação Via Varejo


Para a coordenadora de Investimento Social da Fundação Via Varejo, Lilian Sturm, trabalhar em rede e focar no propósito são aspectos importantes desse movimento. “O nosso desafio como grupo empresarial é buscar novos canais de relacionamento com os empreendedores da periferia. Incentivá-los a buscar capacitação pessoal e formação das suas organizações para que eles consigam dialogar, gerar indicadores para prestar contas. Exercer o diálogo, a linguagem correta e ter sempre o potencial de investimento atrelado diretamente ao impacto gerado” explica Lilian.

Entender o que o empreendedor precisa

De mão dupla, o aprendizado tem sido muito grande. Além de medir o resultado e trabalhar com métricas, o investidor tem que avaliar o instrumento financeiro certo para a organização que ele quer apoiar. “Pode ser doação, financiamento, assistência técnica ou ainda capacitação. Nem sempre a doação traz o melhor resultado porque chega de uma forma muito assistencialista. Tem que saber calibrar”, diz Daniela.

Fábio Deboni destaca que os recursos estão cada vez mais escassos, principalmente de doação, e que o caminho é combinar as fontes. ”O primeiro passo é ter um CNPJ. Sem CNPJ, não tem jogo. Qualquer que seja o formato: organização simples, associação ou cooperativa. Existem outras formas de obter recursos, que podem ser de quatro tipos: subsídios ou doação não reembolsável, que continuará existindo; dívida, tipo empréstimo com variações; equity com participação acionária e sociedade; e mesmo geração de caixa, que é mais difícil, mas não impossível”, explica Deboni.

Deboni anunciou a conclusão da primeira captação da Plataforma de Empréstimo Coletivo da Sitawi, um novo instrumento financeiro destinado a pessoas físicas que podem realizar investimentos diretamente em negócios de impacto socioambiental positivo, de forma coletiva. A primeira rodada captou mais de R$ 1 milhão para cinco NIPs: Up Saúde, Orgânicos in Box, CoopSertão, Stattus 4 e Inteceleri, que pagarão os empréstimo em dois anos.