Autoconhecimento e empreendedorismo social

Gláucia Marins (Foto: Divulgação)

por Gláucia Marins*

Há algum tempo tenho dedicado parte dos meus esforços ao estudo do autoconhecimento. Trabalhar com pessoas e com suas ansiedades e depressões me fez perceber que o saber, o estudar e a cultura não se convertem em evolução consciencial se não contribuírem para a transformação de nossas atitudes viciosas em atitudes virtuosas. Explico. Quem não sabe que devemos perdoar, que o perdão nos liberta e nos tira um peso dos ombros, pois nos desconecta de algo que nos fez mal? No entanto, temos muita dificuldade em perdoar. Perdoamos pequenas coisas, que não são importantes para nós, mas quando se trata de coisas maiores já fica mais difícil de efetuarmos o perdão de forma integral.

Da mesma forma, todo o conhecimento que temos de nada adianta se não for útil para que nos aperfeiçoemos como seres humanos, como espécie.  E o que nos impede então de, como seres inteligentes, usarmos todo o cabedal de sabedoria de milênios, para nos transformarmos em pessoas de impacto positivo? A resposta é mais simples do que parece. O nosso Ego. E o que é o Ego, sempre tão criticado e mal falado?  Ego é nossa individualidade. E a tendência dele é a nossa proteção. Mas de que forma isso ocorre? Utilizando-se do medo e dos comportamentos egóicos (escolhermos sempre o que for melhor para a nossa pessoa e os outros que se virem). Isso tem origem nos tempos do homem das cavernas, onde a sobrevivência era primordial. Ele já foi de extrema importância para a nossa sobrevivência como espécie, porém devemos pensar que isso ocorreu há milhões de anos e hoje já temos condições plenas de educá-lo e silenciá-lo.

Costumo dizer que as escolas nos ensinam física avançada, química, matemática, línguas, biologia, como nos comportar; nossos pais nos ensinam a sermos respeitosos e sociáveis e nos estimulam a sermos pessoas de sucesso, mas não nos ensinam (nem as escolas e nem os  nossos pais), com raríssimas exceções, a nos conhecermos, a entendermos nossos sentimentos, nossas aptidões, nossos dons, nossos defeitos, enfim, a sermos. E nós somos seres cheios de vida, sentimentos e pensamentos que fluem em nosso íntimo, intangíveis, portanto, e somos educados para a materialidade, para as externalidades, sem pararmos para avaliar o nosso íntimo. Até que nosso ser não aguenta mais e adoece.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) afirma que até 2020 teremos 25% da população com depressão e mais outro tanto com ansiedade.  Em nenhum dos dois casos a doença é gerada por vírus ou bactéria, mas por nossos sentimentos e emoções, nosso íntimo. Costumo dizer nas minhas aulas de autoconhecimento que vivemos em “modo avião” em relação à nossa pessoa. Desconectados de nós mesmos. E por quê? Pelo simples fato de que se conhecer dá trabalho e é um processo doloroso se não for um hábito desde a infância.

Acredito que nossa consciência só passará a nos pertencer a partir do momento que fizermos essa viagem, a meu ver espetacular, para dentro de nós mesmos. Antes disso somos parte de uma massa inconsciente, somos formados por pensamentos criados por outros e que viralizam na internet, que absorvemos como nossos, para nos sentirmos parte de grupos, de clubes, nos sentirmos seguros.  No entanto, eles não passaram pelo nosso crivo íntimo, apenas pelo crivo social de expectativas dos grupos. Em suma, somos o querem que nós sejamos, sem maiores avaliações, uma geração de “copia e cola”.

E onde isso se conecta com o Empreendedorismo Social? Em tudo. A partir do momento que paramos para refletir internamente sobre quem queremos ser, que vida queremos viver e que legado queremos realmente deixar, tudo muda. As respostas mudam. Deixam de ser, na ordem proposta:  Ser uma pessoa de sucesso, possuir bens materiais e deixar uma herança; para ser uma pessoa de impacto positivo, possuir capacidade de influenciar pessoas na construção de um mundo melhor, mais equitativo e, por fim, deixar as melhores lembranças na vida das pessoas com quem conviveu.

Isso não quer dizer que não podemos gerar riquezas materiais, mas torná-las meio e não fim. E é aí que entra o Empreendedorismo social. Como uma forma de empreender com propósito, com impacto positivo, com ética. Onde as empresas surgem para solucionar problemas sociais, ambientais, dentro da sua linha de produção. Onde o lucro tem como finalidade remunerar pessoas e ampliar impacto socioambiental. E para isso é necessário que haja uma mudança consciencial em grande escala. Tudo isso começa com o autoconhecimento.

Todos os dias recebemos no Instituto Legado de Empreendedorismo Social pessoas que não querem mais viver “em modo avião” e procuram para suas vidas um propósito.  Portanto, quando começarem a sentir a insatisfação bater à porta, não adoeçam, nem com depressão e nem com a ansiedade, mas procurem dentro de vocês um propósito maior do que vocês mesmos, maior do que alimentar o famigerado Ego. E se tiverem dificuldade, lembrem-se que estamos aqui para ajudar, afinal, esse é o nosso propósito.

*Gláucia Marins: Advogada, cofundadora e vice-presidente do Instituto Legado de Empreendedorismo Social. Fundadora e presidente da Associação Irmão Sol Irmã Lua.